quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Portugal | Crianças sem padrinhos


Rafael Barbosa | Jornal de Notícias | opinião

Em Portugal, há mais de sete mil crianças e jovens a viver em instituições (números de 2018). Filhos de pais violentos. Filhos de pais alcoólicos. Filhos de pais incapazes. Seja qual for a razão (estas e muitas outras), são sete mil crianças e jovens que não têm uma verdadeira família. Uma tragédia.

Mesmo que as instituições que acolhem estas crianças e jovens não tenham nada a ver com os orfanatos do passado, e ainda que estejam cheias de gente competente e carinhosa (e outra nem tanto, como em qualquer atividade humana). Ainda mais trágico é perceber que há soluções legais que poderiam ajudar a minorar o sofrimento, mas que não são usadas. Uma delas é o apadrinhamento civil, como se explicava ontem no JN. Para a maioria das crianças e jovens institucionalizados, a adoção não é uma hipótese - logo para começar pela oposição sistemática desses pais violentos, alcoólicos ou incapazes -, pelo que, há dez anos, foi criada esta figura jurídica, que permite a uma família receber uma destas crianças e assumir as responsabilidades parentais na íntegra, sem que haja um corte radical com a família original, como na adoção. Parece um bom modelo. Até nos lembrarmos que estamos em Portugal, o país das belas leis ineficazes. No ano passado, houve apenas seis crianças propostas para apadrinhamento civil. Em mais de sete mil que vivem em instituições. Dizem os especialistas que os organismos estatais (e as pessoas que neles trabalham) não parecem interessados nesta solução. Não só não há qualquer esforço para procurar famílias para esta adoção suave, como nunca se fez qualquer divulgação do apadrinhamento civil. Ao ponto de os técnicos que trabalham na área da proteção de menores não saberem que existe. Há ainda uma outra explicação. Ao contrário do que acontece quando uma criança vive numa instituição, se houver um apadrinhamento civil o Estado ajuda com... zero euros. Faz todo o sentido. Para quê apostar em soluções mais humanas quando se pode canalizar milhões para assegurar a institucionalização de sete mil crianças e jovens. Sabe-se lá se ainda se estragava o negócio a alguém.

*Chefe de Redação

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