sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Portugal | Os fanfarrões sofisticaram-se


Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

Intolerantes sempre houve, cobardes também, mas o que está a mudar demasiadamente depressa no ecossistema político português é a legitimação, ancorada na eleição de um deputado que já não é apenas um populista que lança umas atoardas no Facebook, de um discurso reacionário que encontrou nalguns setores da sociedade pasto livre para florescer.

André Ventura ostraciza o sistema, mas é a partir do seu interior que quer destruí-lo. Essa será a marca mais evidente do que o move e alimenta. E, sobretudo, do quanto está a borrifar-se para catalogações académicas ou estereótipos políticos. Ao ter recorrido, novamente, ao tom piadético e justiceiro, em reação às ameaças de que foram vítimas, entre outros, três deputadas à Assembleia da República por parte de um grupelho de extrema-direita, o parlamentar do Chega cauciona conscientemente esse caldo de ódio e desprezo por quem "não é de cá" ou tem uma cor de pele distinta da maioria. O mito de que Portugal é uma ilha de resistência ao fenómeno da extrema-direita e dos seus ideários na Europa morreu. Quando muito, estamos a chegar em último, como acontece em tantas outras dimensões. Mais: o nível de profissionalização a que assistimos hoje (na disseminação da mensagem, no recurso à violência e, em particular, na capacidade de arregimentar militantes e encontrar fontes de financiamento, dentro e fora de portas) é indiciador de que não é atirando o tema para debaixo do tapete que se consegue combatê-lo. Basta atentar na média de idades dos homens e mulheres que, de tocha em riste e máscaras, intimidaram os dirigentes do SOS Racismo com uma parada à Ku Klux Kan em plena via pública. Não eram velhos saudosos do tempo da outra senhora. Eram jovens.

Porém, o caminho, como de forma tão certeira apontou o presidente da República, não se constrói respondendo aos radicais com radicalismos. Atirando intolerância à cara dos intolerantes. A defesa intransigente dos princípios democráticos, do debate e da confrontação não pode ser inimiga da sensatez. Se parece um lugar-comum, é porque é um lugar-comum, mas não há outra forma de esvaziar este movimento que se alimenta dos despojos. Há que mostrar quem eles são, derrotando-os com as armas da democracia. E não com gritos e extremismos ideológicos. Porque é isso que eles querem. E eles já não são os fanfarrões de que nos ríamos na televisão. Continuam cobardes, mas estão mais perigosos. Sofisticaram-se.

*Diretor-adjunto

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