Pedro Ivo Carvalho*
| Jornal de Notícias | opinião
Intolerantes sempre houve,
cobardes também, mas o que está a mudar demasiadamente depressa no ecossistema
político português é a legitimação, ancorada na eleição de um deputado que já
não é apenas um populista que lança umas atoardas no Facebook, de um discurso
reacionário que encontrou nalguns setores da sociedade pasto livre para
florescer.
André Ventura ostraciza o
sistema, mas é a partir do seu interior que quer destruí-lo. Essa será a marca
mais evidente do que o move e alimenta. E, sobretudo, do quanto está a
borrifar-se para catalogações académicas ou estereótipos políticos. Ao ter
recorrido, novamente, ao tom piadético e justiceiro, em reação às ameaças de
que foram vítimas, entre outros, três deputadas à Assembleia da República por
parte de um grupelho de extrema-direita, o parlamentar do Chega cauciona
conscientemente esse caldo de ódio e desprezo por quem "não é de cá"
ou tem uma cor de pele distinta da maioria. O mito de que Portugal é uma ilha
de resistência ao fenómeno da extrema-direita e dos seus ideários na Europa
morreu. Quando muito, estamos a chegar em último, como acontece em tantas
outras dimensões. Mais: o nível de profissionalização a que assistimos hoje (na
disseminação da mensagem, no recurso à violência e, em particular, na capacidade
de arregimentar militantes e encontrar fontes de financiamento, dentro e fora
de portas) é indiciador de que não é atirando o tema para debaixo do tapete que
se consegue combatê-lo. Basta atentar na média de idades dos homens e mulheres
que, de tocha em riste e máscaras, intimidaram os dirigentes do SOS Racismo com
uma parada à Ku Klux Kan em plena via pública. Não eram velhos saudosos do
tempo da outra senhora. Eram jovens.
Porém, o caminho, como de forma
tão certeira apontou o presidente da República, não se constrói respondendo aos
radicais com radicalismos. Atirando intolerância à cara dos intolerantes. A
defesa intransigente dos princípios democráticos, do debate e da confrontação
não pode ser inimiga da sensatez. Se parece um lugar-comum, é porque é um
lugar-comum, mas não há outra forma de esvaziar este movimento que se alimenta
dos despojos. Há que mostrar quem eles são, derrotando-os com as armas da
democracia. E não com gritos e extremismos ideológicos. Porque é isso que eles
querem. E eles já não são os fanfarrões de que nos ríamos na televisão.
Continuam cobardes, mas estão mais perigosos. Sofisticaram-se.
*Diretor-adjunto
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