#Publicado em português do Brasil
Luiz Inácio Lula da Silva* | Carta Maior
Em breve, os tribunais britânicos
decidirão o destino do jornalista australiano Julian Assange, um homem que foi
injustamente acusado de criminoso. Assange não cometeu nenhum crime. Ele é um
campeão da causa da liberdade.
O Reino Unido dirá se aceita ou nega o pedido de extradição de Assange para os
Estados Unidos, onde enfrentará 18 acusações movidas contra ele pelo governo
daquele país. Se for extraditado, Assange, 49, pode ser julgado e condenado a
até 175 anos de prisão, o equivalente a uma prisão perpétua.
Devemos evitar que esse ultraje aconteça. Apelo a todos aqueles comprometidos
com a causa da liberdade de expressão, em todos os cantos do mundo, a se
juntarem a mim em um esforço internacional para defender a inocência de Assange
e exigir sua libertação imediata.
Esta é a primeira vez na história dos Estados Unidos que um jornalista é
indiciado sob a Lei de Espionagem por publicar informações verdadeiras. O mundo
sabe, porém, que Assange nunca espionou os EUA. O que ele fez foi publicar
documentos que recebeu de Chelsea Manning, analista de inteligência do Exército
dos EUA, que serviu no Iraque e no Afeganistão. Manning foi julgada, condenada
e sentenciada a sete anos de prisão. Ela agora já cumpriu sua pena.
Todos nós sabemos por que o governo dos Estados Unidos quer se vingar de
Assange. Em parceria com o New York Times, El País, Le Monde, The Guardian e
Der Spiegel, Assange revelou as atrocidades e crimes de guerra, cometidos pelos
EUA, durante as invasões do Iraque e Afeganistão e as torturas a que foram
submetidos os prisioneiros de Guantánamo.
O mundo também se lembra do aterrorizante vídeo publicado por Assange, gravado
de um helicóptero militar, mostrando soldados norte-americanos metralhando as
ruas de Bagdá - aparentemente por puro prazer - e matando 12 civis desarmados,
entre eles dois jornalistas da agência de notícias Reuters.
Além de todos esses motivos, os brasileiros têm uma dívida adicional com
Assange. Arquivos publicados em sua página do WikiLeaks revelaram conversas
ocorridas em 2009 entre aqueles que estariam posteriormente no governo Temer -
que em 2016 depôs o governo Dilma - e altos funcionários do Departamento de
Estado sobre questões relacionadas à privatização do petróleo em águas profundas
do Brasil depósitos.
Foi pela leitura dos documentos revelados por Assange que os brasileiros
souberam da relação entre o homem que mais tarde seria ministro das Relações
Exteriores no governo Temer, José Serra, e executivos das gigantes petrolíferas
norte-americanas ExxonMobile e Chevron.
A acusação adotada pela administração Trump para justificar as alegações contra
Assange - que ele tentou ajudar Manning a hackear computadores do governo - é
perigosa e falsa.
É falsa porque o único esforço que Assange fez foi tentar proteger a identidade
de sua fonte, o que é um direito e uma obrigação de todos os jornalistas. É
perigoso porque aconselhar fontes sobre como evitar a prisão é algo que todo
jornalista investigativo ético faz. Criminalizar isso é colocar em perigo
jornalistas de todos os lugares.
Quando Jair Bolsonaro tentou acusar o jornalista norte-americano Glenn
Greenwald, por exemplo, no início deste ano, de denunciar a corrupção que levou
à minha detenção e prisão ilegal, o governo brasileiro estava copiando essa
nova e perigosa teoria usada pelos EUA contra Assange.
Todas as pessoas e instituições comprometidas com a liberdade de expressão, e
não apenas a grande mídia com a qual o WikiLeaks compartilhou os segredos de
Washington, agora têm uma tarefa essencial: exigir a libertação imediata de
Assange.
Sabemos que as acusações contra Assange representam um atentado direto aos
direitos garantidos pela primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos,
que garante a liberdade de imprensa e expressão. Sabemos que os tratados entre
os EUA e o Reino Unido proíbem a extradição de pessoas acusadas de crimes
políticos.
Os riscos de que Assange seja extraditado, no entanto, são reais. Ninguém que
acredita na democracia pode permitir que alguém que deu uma contribuição tão
importante à causa da liberdade seja punido por isso. Assange, repito, é um
campeão da democracia e deve ser libertado imediatamente.
*Luiz Inácio Lula da Silva foi presidente do Brasil de
*Publicado originalmente em 'The Guardian' | Tradução de César Locatelli
Imagem: Julian Assange é levado ao tribunal em Londres em maio de 2019 (Matt Dunham/AP)
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