sábado, 5 de setembro de 2020

Portugal | Cidadania, sem dúvida


Inês Cardoso | Jornal de Notícias | opinião

Como nem tudo na vida é preto e branco, ou 2+2=4, compreende-se que ensinar questões de grande sensibilidade moral, religiosa e ideológica não seja tarefa fácil.

O preço que pagamos por não o fazer é, contudo, bastante maior do que o risco de agitar águas ou de cometer falhas na disciplina de Cidadania, cujos conteúdos são bastante mais simples do que parece fazer crer o alarido criado à sua volta.

A falta de civismo ao volante tem custos. A violência de género, o bullying e a discriminação têm custos. A gravidez na adolescência tem custos. O alheamento da vida política e a falta de participação democrática têm custos. A incapacidade em identificar fake news tem custos.

A definição de currículos e de linhas orientadoras para a escola não é uma escolha individual, nem à medida de cada um, seja em que disciplina for. Além do perigo que poderia constituir um ensino em que cada um escolhia o que quisesse, nem todas as famílias têm a mesma capacidade para intervir e fazer escolhas informadas.

O que soa mais estranho, quase incompreensível nesta discussão, é o argumento de que a educação cabe à família. Há alguma dúvida de que os professores não substituem os pais? Infelizmente temos demasiadas vezes famílias que não acompanham os alunos nem sabem o que se passa na escola. O inverso nunca é um problema. Não há segredos sobre os referenciais da disciplina e nenhuma dificuldade em seguir e discutir em casa o que os filhos aprendem na escola.

Além de bafienta, a discussão chega a parecer digna de riso num Mundo feito de informação, em que os mais novos têm tudo à mão. Não há nada, nem em temas ditos fraturantes como a identidade e o género, que eles não vasculhem e comentem desde cedo. O difícil, hoje, não é ter acesso à informação.

É saber mover-se no meio dela, desenvolver espírito crítico e fazer escolhas. A transmissão de valores cabe em primeira linha à família, mas o caminho a percorrer resulta de uma soma complexa de contributos. Os filhos não são dos pais, no sentido possessivo ou restritivo do termo. E se a falta de horizontes pode criar-lhes problemas, o inverso nunca.

*Diretora-adjunta

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