terça-feira, 1 de setembro de 2020

Portugal | Divisão de tachos


Rafael Barbosa* | Jornal de Notícias | opinião

Uma fórmula eleitoral excêntrica e medrosa. Assim se classificou, nesta mesma coluna, mas em 2017, a proposta do Governo de transformar as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) numa espécie de proto-regiões.

Já então se percebia que um colégio eleitoral de autarcas (presidentes e vereadores, deputados municipais e líderes das juntas) não era o melhor exemplo de democracia.

Ainda assim, podia ser visto como um mal menor. Mesmo com o pecado original, talvez a intenção fosse boa: caminhar no sentido da regionalização, atribuindo às CCDR, logo numa primeira fase, a gestão de todos os fundos europeus destinados às regiões, e não apenas as "migalhas" dos programas operacionais regionais.

Durou pouco. Uns dias depois, o ministro Eduardo Cabrita lá veio esclarecer que afinal as CCDR ficariam com o que já tinham e nada mais. Começava a ser mais difícil encontrar utilidade nesta reforma administrativa, mas talvez ainda se pudesse dizer que caminhava na direção correta: um pequeno passo é melhor do que passo nenhum.

Mas isso foi só até ser conhecido, este verão, o articulado completo. O colégio eleitoral mantém-se, mas o Terreiro do Paço dá com uma mão, para tirar com a outra: escolhe um dos vice-presidentes (pelos vistos, para garantir a paridade de género) e pode demitir o presidente. Ou seja, os futuros líderes regionais são eleitos por uma assembleia de autarcas, mas na verdade, não é perante o seu eleitorado que terão de responder, antes perante o fiscal instalado no trono imperial.

Como estamos em Portugal, as coisas podem sempre piorar. Para acabar de vez com qualquer pretensão democrática, PS e PSD negociaram nos bastidores e decidiram distribuir as presidências: esta para mim, aquela para ti. Ou seja, este tacho para mim, aquele para ti. Se alguém acha que algum dia PS e PSD avançarão com a regionalização do país, talvez seja melhor esperar sentado. Na hora da verdade, fala sempre mais alto a manutenção do poder a partir do centro. Nem que seja só para ficar com umas migalhas.

*Chefe de Redação

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