quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Moçambique | Por que devemos apoiar Cabo Delgado?

Idah Z. Pswarayi-Riddihough* | O País | opinião

Como diz o ditado, prevenir é melhor do que remediar. Essa sabedoria popular aplica-se tanto às crises de saúde pública, aos desafios de segurança e desenvolvimento assim como à prevenção de conflitos. Prevenir conflitos não apenas salva vidas, o que por si só bastaria, mas também protege os ganhos económicos e sociais alcançados durante o processo de desenvolvimento económico. Igualmente importante, ao afetar a educação e saúde públicas, a infraestrutura e as instituições fundamentais do estado de direito, os conflitos afetam a capacidade do país se desenvolver a longo-prazo, comprometendo seriamente as chances de progresso das gerações futuras.

No ano passado, Moçambique assinou um acordo de paz com a RENAMO para pôr termo a um longo conflito. Ao mesmo tempo que esta assinatura representa uma oportunidade real para uma paz duradoira e sustentável, uma nova frente emergente e potencialmente mais complexa de conflito violento vem se consolidando na província mais setentrional de Cabo Delgado.

A escalada da violência em Cabo Delgado já ceifou cerca de duas mil vidas e deslocou quase 300.000 pessoas desde que iniciou em 2017, correndo o risco de se alastrar pela costa e províncias vizinhas, segundo analistas. Uma discrepância económica e social entre as regiões norte e sul do país tem alimentado a perceção de um favorecimento às elites, agravado por um sentimento de exclusão socioeconómica, particularmente entre os jovens, que enfrentam um futuro com possibilidades limitadas de mobilidade social ou autoaperfeiçoamento.

Pouco se sabe ao certo sobre os perpetradores, seus patrocinadores ou suas intenções: no entanto, o que está claro é que quanto mais tempo o conflito durar, mais arraigado se tornará e maiores serão os custos em termos de destruição humana, social, e capital cultural; em termos de vidas perdidas; em termos de jovens ligados a grupos extremistas; e em termos de perda de crescimento económico e potencial de desenvolvimento.

Prevenir o início ou escalada de conflitos violentos e administrar crises é complicado pela confluência de múltiplos desafios que reforçam e amplificam a fragilidade institucional existente. Fragilidade institucional, por sua vez, reforça a pobreza e limita os esforços em criar oportunidades equitativas para todos.

Por outro lado, o desígnio de acabar com a pobreza e aumentar oportunidades económicas sofreu seu pior revés globalmente este ano desde que começamos a rastreá-lo de forma consistente, uma vez que 88 a 115 milhões de pessoas em todo o mundo cairão na pobreza extrema, elevando o número total de pobres para 729 milhões. Uma revisão recente revela que 37 países em situação de fragilidade e afetados por conflitos têm 10 porcento da população mundial, mas 40 por cento dos pobres do mundo.

Populações deslocadas internamente, populações vulneráveis, jovens, mulheres, idosos e aqueles que ganham a vida nas margens ou no setor informal já encaram dificuldades imensas para aceder a serviços básicos, uma fonte de sustento, abrigo e segurança alimentar. São estes grupos que terão sido mais afetados por estes choques consecutivos e que estão em maior risco agora com os impactos do conflito violento em Cabo Delgado. Focar-se em Cabo Delgado e nas suas causas subjacentes não é apenas um imperativo económico, mas também moral.

A eclosão da pandemia COVID-19 em Moçambique num momento em que o país começava a recuperar-se da devastação causada pelos dois ciclones de 2019, destaca o papel das vulnerabilidades pré-existentes na determinação da capacidade e habilidade das instituições formais e informais para mitigar o impacto dos choques.

É nossa convicção que o custo humano e económico do conflito exige que todos os envolvidos trabalhem de forma mais colaborativa por meio de abordagens direcionadas, flexíveis e sustentáveis para apoiar as agendas nacionais e regionais de prevenção.

Nos três meses desde que assumi o cargo de Diretora do Banco Mundial em Moçambique, tive a oportunidade de me encontrar e ouvir perspetivas de uma ampla gama de partes interessadas. Estas conversas reforçaram que, como parceiro do Governo de Moçambique, do povo de Moçambique e dos atores de desenvolvimento do país, o Banco Mundial tem um papel fundamental a desempenhar no apoio aos esforços do Governo para abordar as questões centrais de desenvolvimento que sustentam os desafios da fragilidade em Moçambique.

À luz desses elevados riscos em Moçambique, e numa tentativa de alinhar os esforços do Governo com os da comunidade de desenvolvimento para mitigar o perigo de uma escalada da violência, Moçambique é elegível para assegurar um financiamento adicional de USD $ 700 milhões da Associação de Desenvolvimento Internacional do Banco Mundial (IDA), especificamente para tratar das causas subjacentes de fragilidade e conflito no país.

A experiência global destaca uma série de lições importantes para uma prevenção bem-sucedida: que a prevenção eficaz tem que ser um empreendimento coletivo; conduzido internamente pelo governo como o principal ator na formação de um caminho para o desenvolvimento sustentável e a paz; e construído sobre os pontos fortes existentes com o apoio local e de parceiros internacionais em todo o espectro político, humanitário, de segurança e paz, para facilitar uma ação oportuna e eficaz.

Os exemplos mais bem-sucedidos de prevenção, incluindo da Indonésia, Burkina Faso, Quênia e Serra Leoa, envolveram uma extensa consulta e mobilização de uma coalição de actores domésticos para alavancar as vantagens comparativas da sociedade civil, incluindo grupos de mulheres, jovens, atores religiosos e do setor privado, contando com o apoio da comunidade internacional. Em resposta à instabilidade subnacional em Camarões, Ucrânia e Nigéria, mecanismos multilaterais como Avaliação da Recuperação e Construção da Paz (Recovery and Peacebuilding Assessments), têm apoiado governos por meio de capacidade técnica e diálogo político para traçar uma trajetória inclusiva pós-conflito e um plano de desenvolvimento para abordar os principais constrangimentos socioeconómicos. Esses mecanismos também se mostraram poderosos no alinhamento dos financiamentos nacionais e internacionais para um esforço de recuperação mais eficaz.

A maneira mais eficaz de evitar que as sociedades caiam no caos é fortalecer sua resiliência, investindo nas pessoas através da promoção de um modelo de desenvolvimento inclusivo e sustentável. Experiências em contextos tão variados como da Tunísia e Níger, Irlanda do Norte e Nepal demonstram que os esforços visando fortalecer e reformar instituições para promover uma maior inclusão são a chave para manter a paz e a estabilidade, apesar de serem de longo prazo e às vezes levando gerações.

Da mesma forma, abrir espaços para uma sociedade mais democrática onde a voz e a participação da sociedade civil é incentivada, não é fácil e nem desprovido de riscos, mas é fundamental para aumentar a representatividade e amenizar descontentamentos relacionados às perceções de exclusão, principalmente entre os jovens. Paralelamente, os esforços para lidar com as desigualdades e a exclusão, redistribuindo recursos, são importantes para preservar o tecido social, fortalecer a coesão social e aumentar as capacidades dos indivíduos, comunidades e da sociedade em geral para mitigar impactos de crises e choques.

O Banco Mundial compromete-se, na qualidade de parceiro e amigo de Moçambique, a acompanhar o Governo e o povo no caminho da construção de uma sociedade mais inclusiva, transparente e equitativa. Apoiaremos os esforços para a paz e estabilidade em Moçambique, alavancando experiências globais, usando diálogo político e parcerias, e através da aplicação da nossa capacidade técnica.

O Banco Mundial tem estado a implementar e pretende aumentar as intervenções do Governo visando abordar as causas da fragilidade, conflito e violência em Cabo Delgado, assim como em outras partes do país. Isso inclui medidas destinadas a criar oportunidades de emprego e capacitação, especialmente para os jovens, através do desenvolvimento do setor privado; prestação de serviços de qualidade de forma transparente e inclusiva; apoio aos esforços de reforma da governança e de devolução do poder aos níveis subnacionais; fornecimento de melhores práticas globais em relação à gestão e governança da indústria extrativa e de recursos naturais; apoio à construção de resiliência para fazer face aos perigos advindos dos impactos das mudanças climáticas; e esforços para aumentar a capacidade dos atores da sociedade civil e das ONGs em construir representação ao nível comunitário, aumentando, desta forma, os espaços de diálogo.

Também estamos empenhados em atender às necessidades dos mais vulneráveis, especialmente aqueles afetados pelo COVID-19, expandindo a proteção social e as redes de segurança social, apoiando os esforços para aumentar o acesso à educação de qualidade e serviços de saúde e intensificando os esforços para abordar a fragilidade institucional e as lacunas em matérias de políticas públicas.

Acreditamos que temos a obrigação de atuar como parte de um coletivo para fazer face aos desafios centrais que estão por detrás da fragilidade em Moçambique. Observamos com satisfação a estratégia do Governo, sob a égide da Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN), que visam abordar as lacunas socioeconómicas que alimentam a insurgência no Norte. Estamos empenhados em trabalhar com o Governo para garantir que cada moçambicano, independentemente de quem seja e de onde viva, tenha a oportunidade de viver uma vida com dignidade e esperança e tenha a oportunidade de realizar todo o seu potencial como membro contribuinte da sociedade.

*Idah Z. Pswarayi-Riddihough é directora do Banco Mundial para Moçambique, Madagáscar, Maurícias, Seicheles e Comores

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