Isabel Moreira | Expresso | opinião
Quem realmente quer combater a corrupção, não fala em “sistema” ou em “limpeza”, colocando-se limpo e imaculado fora de um país e de uma República imaginária onde mina o crime perante a complacência dos “políticos”
É ler ou ouvir notícias sem grande critério. Se chegados de Marte, ficaríamos convictos de que Portugal é um país destruído pela corrupção. Aparentemente, há muitos atores políticos, para além de Ventura, e muitos opinadores, que vivem por cá, mas que juram ser sua a convicção de que isto de andar uma multidão a minar os fundamentos do Estado de direito é a ameaça diária da pátria. Sob o pretexto de haver fundos europeus por receber, Rui Rio alerta para “risco tremendo de corrupção”, Marcelo apela à ética republicana no combate à corrupção, Catarina Martins diz que novas regras da contratação pública não podem “facilitar a corrupção e o crime económico” (sim porque isto de alterar regras da contratação pública deve ser suspeitíssimo), no CDS há quem fale em “autoestrada para a corrupção” e, claro, Ventura quer resolver coisa nenhuma aumentando penas de prisão. Pelo meio, finge-se que não há uma questão séria de necessidade de produzir no Parlamento um quadro legal que reforce simultaneamente a transparência e a eficiência em face da magnitude dos fundos europeus de que estamos a falar, fundos esses cujo desperdício o futuro não nos perdoará, sendo certo que o lugar da lei que é tão atacada antes de nascer é o Parlamento, a vontade de todos, isto é, o sistema.
O sistema.
Eu gosto do sistema, mas depois ouço e leio as notícias sem grande critério e vejo Marisa Matias clamar que vai lutar contra a corrupção, claro, avisando que não vai fazer “vénias ao sistema”. Vejo Ana Gomes falar em “limpar o sistema” e leio os colunistas de direita da causa avisarem do país socialista, indagarem das causas de um país “tão corrupto”, bocas cheias de corrupção, rendidas à luta abstrata, numa cacofonia que em tons mais leves e em tons mais fortes vai de Marcelo às candidatas à presidência, que isto de deixar Ventura capitalizar o tema não é para toda a gente.
É para quem gosta disto, do tal sistema. É para quem acha que a República tem problemas, mas é de saudar, e sabe dos factos, factos que nos dizem que não existem dados fiáveis sobre as manifestações da corrupção em Portugal nem uma estrutura responsável pelo tratamento desses dados, o que prejudica o conhecimento do fenómeno na sua real extensão. Sabemos que a Europa ocidental é percecionada como a região menos corrupta do mundo, mas não é possível confirmar se a perceção da corrupção corresponde verdadeiramente à dimensão do fenómeno. O assunto é sério, felizmente estamos em democracia e não em ditadura, o mais corrupto dos regimes, e é em democracia que temos leis altamente elogiadas, para as quais os governos do PS, e concretamente António Costa como Ministro da Justiça, tanto contribuíram.
Quem realmente quer combater a corrupção luta pelo conhecimento aperfeiçoado do crime em causa (veja-se a criação prevista do Mecanismo Anticorrupção) para melhorar as políticas tendentes à sua diminuição que compreendam os domínios da prevenção, deteção e repressão, a fim de incentivar um ambiente cultural e institucional hostil à corrupção.
Quem realmente quer combater a corrupção, não fala em “sistema” ou em “limpeza”, colocando-se limpo e imaculado fora de um país e de uma República imaginária onde mina o crime perante a complacência dos “políticos”.
Quem realmente quer combater a corrupção preocupa-se, por exemplo, com o reforço dos meios de investigação.
Cabe aos políticos defender o sistema, guardar a República, empenhar a Constituição, afirmar-se dentro das instituições, falar verdade, saber da origem da gritaria, que é longínqua e teve obreiros vários.
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