Ivo de Carvalho | Jornal de Notícias | opinião
Não estava escrito nas estrelas, mas era mais ou menos óbvio que a Direita iria pôr em marcha um plano político de poder simétrico ao da geringonça de Esquerda. A questão era saber com quem, com que urgência e com que filtros civilizacionais. Os Açores transformaram-se no tubo de ensaio para um casamento de conveniência que, por obra e graça do PSD de Rui Rio, conseguiu alcandorar à condição de cola institucional da governação regional um partido que defende a castração química dos pedófilos, a prisão perpétua, o reforço das fronteiras e o fim dos serviços públicos de saúde e educação.
Porém, para este PSD parece haver um Chega mau (o do continente que foi a votos com um programa extremista e elegeu André Ventura) e um Chega bom (o dos Açores, que elegeu dois deputados e pugna pelo combate à corrupção, por um corte no número de deputados e pelo controlo da malandragem que vive dos subsídios do Estado).
A verdade é que Rui Rio ergueu uma cerca sanitária em torno das suas linhas vermelhas e princípios morais para melhor acomodar a realidade aos seus interesses momentâneos. O PSD tem toda a legitimidade para coligar-se com quem entender, mas não pode socorrer-se do argumento da súbita moderação do Chega para assinar um acordo (ainda que seja só nos Açores) que não deixa de legitimar a natureza de um partido que age como um predador. O Chega continua a ser nacionalista, extremista e muito pouco humanista.
Depois, esta moderação programática em que nem Rui Rio deve acreditar terá, a prazo, um efeito destrutivo junto do próprio eleitorado social-democrata. É o PSD que tem mais a perder com uma credibilização institucional do Chega, ainda para mais num contexto de dissipação eleitoral do CDS e maior fragmentação de votos.
Acreditar que o Chega tem um lado B, de bonzinho, é não perceber que o Chega só tem uma preocupação: chegar ao poder. Pensar que um partido que elegeu um deputado está a marcar o passo da Direita em Portugal diz muito bem de André Ventura, mas diz muito mal de quem está a levá-lo em ombros.
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