Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião
As administrações do Hospital Beatriz Ângelo (PPP) e da Linha Saúde 24 estão a oferecer vales de compras do Pingo Doce para aliciar os seus trabalhadores a fazerem horas extra. Vales de compras!
Em outubro, o concurso para 435 médicos de família deixou 148 vagas por preencher. Uma vez que estes internos passaram para especialistas, o saldo no SNS voltou a agravar-se: tem agora menos 1029 médicos que em janeiro, antes da pandemia. O concurso para a contratação de especialistas hospitalares ainda não está concluído, mas a situação deverá piorar: a manter-se a tendência atual, dos 1000 internos, o SNS vai reter 700.
A falta de profissionais é de tal forma grave que o decreto presidencial que enquadrou a última declaração de estado de emergência permite proibir os profissionais de se despedirem do SNS. Mas, em contramão, o Hospital de Braga e outras instituições entregaram cartas de não renovação de contrato a dezenas de temporários que esgotaram as duas renovações de quatro meses permitidas pelo Governo.
Às debilidades estruturais do SNS, tem-se acrescentado confusão e falta de planeamento. Porquê? Porque é que em vez de carreiras reconhecidas, salários dignos e condições de trabalho, o Estado se permite promover o Pingo Doce e propor aos profissionais um esquema público-privado de angariações? Depois do caos instalado, finalmente o Governo admitiu conceder aos hospitais autonomia para contratarem alguns profissionais fora do esquema precário por quatro meses. Esta norma (lançada aliás no mesmo dia em que o PS chumbou a proposta do Bloco para dar autonomia de contratação aos hospitais) limita-se porém a algumas especialidades e vigora apenas durante um mês.
Em todas as áreas, a resposta do
Governo tem sido fraca e tardia, sempre sob pressão e na estrita medida do
mínimo indispensável. Dizem-no todas as análises oficiais sobre a proposta de
Orçamento do Estado: Conselho de Finanças Públicas, Conselho Económico e
Social, Unidade Técnica de Apoio Orçamental, todos garantem que, se o Orçamento
não agrava a crise, também não serve para a contrariar. O FMI identifica
Portugal entre os países que menos investe a compensar os efeitos da pandemia.
A Comissão Europeia diz que, sem as ténues medidas extraordinárias, o Orçamento
seria mesmo de contração, ou seja, agravaria a crise. Segundo a OCDE, Portugal
é dos países europeus onde a pandemia motivou menores gastos adicionais
Vivemos a maior crise das nossas vidas. Se não é agora que se justificam as medidas mais fortes, quando será? As prioridades do Governo estão erradas. E cada dia aumenta o preço que o país pagará por este desacerto.
*Deputada do BE
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