quinta-feira, 25 de março de 2021

Das "negociatas" ao que mais vier, no Expresso Curto, puro

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Do (des)confinamento à EDP. Alguém que explique devagarinho

Filipe Garcia | Expresso

Bom dia,

Pode não parecer, mas por estes dias a conversa tem sido sobre velocidade. Primeiro discutimos o ritmo do desconfinamento, depois fomos avisados da velocidade com que tudo poderia recuar, caso a pandemia acelerasse. Lá de fora, chegam alertas para a possibilidade de estarmos a enfrentar uma nova vaga, mas por cá a covid-19 parece estar a abrandar.

Na velocidade do costume, hoje espera-se um debate parlamentar sobre o estado de emergência que agora termina e um final de dia com a já habitual declaração do Presidente da República a explicar os porquês de novo período de exceção. Tragicamente, nada de novo. Na verdade, já o explicou e o problema volta a estar na velocidade.

Mais ou menos em casa, com mais ou menos pessoas, a fazer compras pela internet, ao postigo ou no interior de estabelecimentos comerciais, a distância da luz que assinala o fim da pandemia, só depende da velocidade a que as farmacêuticas produzirem as vacinas e do andamento que os governos conseguirem imprimir ao seu processo de vacinação. Mas há outra velocidade que começa a preocupar – Marcelo Rebelo de Sousa está preocupado com a distribuição dos apoios sociais há muito prometidos.

O melhor é mesmo explicarem tudo, outra vez, devagarinho, para evitar que aceleradas euforias redundem em travagens bruscas.

As barragens, a EDP e a Agência Portuguesa do Ambiente no parlamento

É o negócio do momento: a venda de seis barragens pela EDP a um consórcio francês e o não pagamento do Imposto de Selo numa transação de 2,2 mil milhões de euros. Prestar esclarecimentos, ao parlamento, já foram o presidente executivo da EDP, Miguel Stilwell, os ministros das Finanças e o do Ambiente e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Agora, a pedido do PSD, será a vez de Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, se apresentar para explicar a mudança de sentido, entre julho e novembro de 2020, do parecer da APA. Sobre esse, já falou ontem Rui Rio, considerando-o “muito, muito esquisito”.


Manifestamente, percebe-se a longa lista de convocados para prestar contas no parlamento. Há mesmo negócios complicados de explicar e o melhor é fazê-lo devagarinho.

… e manter a velocidade quanto à Groundforce

Ontem foi dia de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, ir ao parlamento, também ele, prestar esclarecimentos sobre um negócio em curso. No caso, discutia-se a salvação da Groundforce, empresa nesta altura dividida entre a TAP (49,9%) e a Pasogal de Alfredo Casimiro (50,1%). E o ministro, cujo estilo truculento é conhecido, apareceu inspirado. "O senhor Alfredo Casimiro pagou de facto 3,6 milhões de euros pela Groundforce em 2018. Mas já tinha recebido 5,4 milhões de fee [comissões] de gestão até 2015. E mais 2,2 milhões de euros em 2017 e 2018, na sequência de um litígio tido com a TAP. Ao todo recebeu 7,6 milhões de euros”, disse o ministro apontando, naturalmente, a mira ao governo PSD/CDS que à época governava. Pedro Nuno Santos ainda deixou uma pergunta: “Quem não gostaria de fazer um negócio destes? Dez milhões de portugueses”. Confesso a minha incapacidade para responder. Alguém me explica, devagarinho?

A frase

"Se a situação piorar, podemos estar perante a terceira vaga",

Stella Kyriakides, Comissária Europeia para a Saúde e Segurança Alimentar

O candidato que não é do futebol

Desengane-se quem pensa que a escolha surgiu pelo mediatismo do nome ou pelo seu passado profissional. O nome é António, 68 anos, empresário, colecionador de arte, licenciado em direito pela Universidade Católica, natural de Penafiel e agora candidato à câmara de Gaia pelo PSD. O problema surge no sobrenome, Oliveira, que muitos associam ao futebol, eventualmente, por motivos do próprio passado: foi jogador, internacional, treinador e selecionador nacional. Nos últimos anos, era até apontado como um dos possíveis sucessores de Pinto da Costa na presidência do FC Porto, o seu clube de sempre, clube da SAD em que tem milhão e meio de ações. Rui Rio, famoso por ter gerido a câmara do Porto a uma distância inédita do maior clube da cidade e por ser acérrimo defensor da separação entre política e futebol, fez saber que não há incompatibilidade e que, afinal, o futebol não pode ser estigma para a vida. Pelo sim pelo não, Luís Filipe Menezes já se pôs fora da corrida autárquica. Ao Expresso, o antigo autarca de Gaia diz que não será candidato à Assembleia Municipal, mas apenas para não enfraquecer a candidatura, "fora da caixa", do amigo Oliveira.

PSP denunciou Juiz negacionista

Rui Fonseca e Castro, juiz, foi alvo de participação ao Conselho Superior da Magistratura por parte da PSP. Em causa, um apelo à desobediência civil, feito no Facebook pelo juiz a propósito das regras do confinamento. Recentemente regressado à magistratura, Fonseca e Castro foi advogado - entre outros, dos donos do restaurante Lapo, o tal que ficou famoso por ter aberto durante o confinamento - e um dos fundadores do movimento Juristas pela Verdade. Uma história que merece ser lida. Quanto mais não seja porque o magistrado se diz "pronto para tudo" e a viver num país "governado por uma associação criminosa".

… Lá por fora

"Brasil meu Brasil brasileiro"

A história é famosa e mesmo que tenha acontecido em 1939 no Rio de Janeiro o sentimento pode ser-lhe familiar. Já teve de lidar com a impossibilidade de sair de casa por uma tempestade estar a assolar as ruas? No caso do compositor brasileiro Ary Barroso, a tempestade era literal e a prisão domiciliária não só foi mais breve que a atualmente imposta como bem mais produtiva - confinado, sentou-se ao piano e de uma assentada compôs Aguarela do Brasil, a canção que quase todos, de Jobim a Sinatra, cantaram. Lembrei-me da história da canção, que começou por ser vista de apoio à ditadura e que acabou censurada pela mesma, ao ver as últimas notícias do Brasil, por estes dias carregadas de volte-faces, mais ou menos, inesperados. Primeiro, as notícias de que Sérgio Moro, segundo o Supremo Tribunal Federal, não foi imparcial no julgamento de Lula da Silva, ex-presidente. Depois, com a declaração de Jair Bolsonaro ao país acabado de bater o seu recorde mais trágico – 3000 mil vítimas da covid-19 num só dia. Afinal, ficámos a saber, o governo brasileiro nunca menosprezou a pandemia, afinal Bolsonaro até tem um plano de vacinação para todo o país, afinal esteve sempre focado em proteger a população da covid-19. Mais ou menos inesperados, aos volte-faces ainda podemos somar mais uma notícia surpreendente: além de Bolsonaro e agora de Lula da Silva, para as presidenciais de 2022 há outro nome a aparecer na corrida, Luciano Huck, apresentador de televisão. Aguardemos por mais notícias e pelas previsíveis surpresas. Até lá é inevitável, pelo menos, trautear, ai "Brasil, meu Brasil brasileiro"

… e a guerra das vacinas

A luta pelas vacinas da AstraZeneca também continua sem sinais de abrandamento. Ontem, Bruxelas propôs o reforço do mecanismo europeu de transparência e autorização de exportação de vacinas de forma a torná-lo mais exigente e eficaz no controlo da saída da UE de vacinas contra a Covid-19. A ameaça não é explícita mas a luta entre Bruxelas e a AstraZeneca, atrasada na entrega de vacinas e com parte das suas unidades de produção na UE, é conhecida e ontem voltou às notícias – numa fábrica em Itália, foram encontradas 29 milhões de doses da vacina da AstraZeneca que poderiam estar prestes a seguir para o Reino Unido.

Hoje, na agenda da presidência portuguesa portuguesa, o tema voltará a ser discutido. Além do Conselho Europeu – em que será discutido o plano de vacinação, mas também o primeiro contacto com Joe Biden - em Lisboa, com a participação de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Stella Kyriakides, comissária europeia da saúde e segurança alimentar, será organizada uma conferência para debater o reforço do papel da UE na saúde global.

Arrancou a qualificação para o Mundial

Portugal começou ontem a campanha de qualificação para o Mundial de futebol de 2022. A crónica de jogo pode ler na nossa Tribuna, mas fique já a saber que a vitória foi curta e que Fernando Santos nem escondeu que esperava ganhar com “outra naturalidade”.

O que ando a ler

Qualquer coisa em que não se encontrem sinais de pandemia, não será, por estes dias, critério original para a escolha de um livro, mas foi assim que escolhi a mais recente companhia. Can't Stop, Won't Stop, de Jeff Chang, foi editado em 2005 e há meses que andava lá por casa, sempre à espera da sua vez. A história é a do nascimento do Hip Hop e de quem, num punhado de quarteirões do Bronx no final dos anos 70, lançou um movimento cultural que sempre foi maior que a sua banda sonora. Nascido dos escombros da moda do Disco, com direito a graffitis, break dance e Mestres de Cerimónia que, ao microfone, intercalavam loops com versos, passados 40 anos o Hip Hop fez-se mainstream. Para trás foram ficando as rimas sobre vidas no crime, as letras misóginas, as canções e os vídeos ostentatórios. Afinal, se foi com A Mensagem - The Message, disco de Grandmaster Flash and The Furious Five, 1982 - que pela primeira chegou à rádio, não será de estranhar que nos versos e na história do hip hop esteja parte a evolução da América.

O que ando a ouvir

Cassandra Jenkins é só mais uma cantora saída de Nova Iorque, uma ilustre desconhecida que até agora apenas carregava no currículo um disco de originais cuja existência ninguém suspeitava (Play till You Win, 2017). Agora, lançou An Overview on Phenomenal Nature, disco que, aposto, lhe garantirá carreira, longe do design que estudou e dos tempos passados como assistente editorial na revista New Yorker. Num registo tão intimista quanto reconfortante, uma das boas surpresas do ano.

Com outro balanço, a dispensar letras e com um autor de currículo diametralmente oposto ao de Cassandra, por estes dias também tem tocado Samba de Maracatu, uma aventura a cruzar o Jazz com o Samba. A este disco não falta pedigree, é editado pela Blue Note e assinado por Joe Chambers. Sim, esse, o tal que arrancou nos anos 60 como baterista de sessão na editora a que agora regressa e que acabou a tocar em discos de Miles Davis, Charles Mingus, Archie Sheep ou Chet Baker. Asseguro que vale a pena.

Tenha um bom dia e não deixe de nos seguir no Expresso.

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