As Estatísticas de Rendimento e Condições de Vida divulgadas recentemente pelo INE são um instrumento essencial para conhecer realidades sociais como a pobreza, a exclusão social e as desigualdades.
Fernando Marques* | opinião
O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou recentemente as Estatísticas de Rendimento e Condições de Vida, um instrumento essencial para conhecer realidades sociais como a pobreza, a exclusão social e as desigualdades. Os dados têm como referência principal o ano de 2019, pelo que não conhecemos ainda, para todos os indicadores, o efeito da crise pandémica. Mas o INE, tendo certamente em conta a crise sanitária, divulgou na mesma publicação, dados relativos ao estado de saúde e ao acesso aos serviços de saúde.
A impressão geral colhida da leitura desta informação é a de um país que, sem deixar de fazer progressos, manteve um nível de pobreza elevado e desigualdades sociais profundas. A informação publicada, ou disponibilizada no sítio do INE, é extensa, complexa e passível de várias leituras, pelo que nos limitamos a três dos aspectos que consideramos mais significativos.
O primeiro respeita à diminuição da população pobre ou excluída (ou, em termos formais, em risco de pobreza ou de exclusão social). Este indicador combina a pobreza monetária (digamos, de modo simplificado, os que vivem com um rendimento inferior a 540 euros, o limiar de pobreza de 2019) com o não dispor de um certo conjunto de bens (por exemplo, não poder ter a casa convenientemente aquecida) e com a pertença a famílias com uma relação ténue com o mercado de trabalho.
Mais de dois milhões de pessoas continuam a viver nestas circunstâncias (uma em cada cinco). É muito, até porque muitos dos pobres são muito pobres – os seus rendimentos estão claramente abaixo do limiar de pobreza. Apesar disso, se olharmos para a evolução no decurso de uma década (gráfico) constatamos que houve mais de 800 mil pessoas que deixaram de ser pobres ou excluídos comparativamente a 2013. Deviam reflectir sobre estes números aqueles que pensam que teremos de pagar com austeridade e dor uma dívida pública agravada com a pandemia.
A pobreza laboral reduziu-se de 10,8% em 2018 para 9,6% em 2019. Manteve-se, no entanto, em valores na vizinhança de 10% em toda a década passada. Com um salário mínimo de 600 euros nesse ano, vem-nos que, retirado o que o trabalhador paga de contribuições para a Segurança Social, sobra 534 euros. É apressado concluir que o salário mínimo é inferior ao limiar de pobreza porque este é calculado considerando 12 pagamentos enquanto o salário mínimo é pago 14 vezes, contabilizando os subsídios de férias e de Natal. Ainda assim, existe uma proximidade que é reveladora da insuficiência do salário mínimo para assegurar condições de vida dignas.
O terceiro aspecto que se salienta respeita aos indicadores de desigualdades na saúde, divulgados pelo INE, a que juntámos as condições de habitação. A distribuição de três indicadores relevantes do estado de saúde (a autoapreciação do estado de saúde, a morbilidade crónica e a limitação na realização de actividades diárias por motivos de saúde) por níveis de escolaridade revela a profundidade das desigualdades existentes. Enquanto, por exemplo, a incidência da morbilidade crónica nas pessoas sem um nível de escolaridade completo atinge 81% (52% no Ensino Básico) é muito menor no Ensino Superior.
Por sua vez, a desigualdade nas condições de habitação é ilustrada com o recurso a três indicadores também relevantes. Considerando pobres as pessoas do primeiro quintil, isto é, as que se classificam nos 20% com menor rendimento, constatamos que: vivem em espaços sobrelotados; uma em cada cinco famílias gasta mais de 40% do rendimento disponível em despesas com habitação; 10% das famílias vive em condições severas de habitação onde a sobrelotação se conjuga com outros elementos de privação habitacional (a falta de instalações sanitárias, por exemplo). Esta situação contrasta vivamente com as condições de habitação nos 20% de maior rendimento. Um país desigual, em suma.
Imagens/quadros: Towards Data Science, a partir de Oxfam; INE
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