Britânicos viram-se para a região do Indo-Pacífico, enquanto identificam Rússia como ameaça e elevam a parada nuclear.
A mais profunda revisão estratégica desde o final da Segunda Guerra surge depois de 47 anos de ligação às instituições europeias e num momento em que o governo conservador quer reafirmar a "relação especial" com os Estados Unidos de Joe Biden, depois de um alinhamento com Donald Trump. Não fosse o renovado interesse pelo nuclear e o reposicionamento britânico podia ser decalcado do norte-americano. Londres surpreendeu ao anunciar a inversão da política de desnuclearização. Em vez de baixar o número de ogivas para 180, irá aumentar para 260 e planeia substituir as ogivas por novas para operarem em quatro submarinos em construção.
"A história mostra que as sociedades democráticas são as defensoras mais fortes de uma ordem internacional aberta e resiliente. Para estarmos abertos, também devemos estar seguros", justificou o primeiro-ministro Boris Johnson no prefácio do documento de mais de 100 páginas que traça as linhas gerais de segurança, defesa e relações externas do país.
Para lá do músculo nuclear, o documento aponta a região Indo-Pacífico como "crítica" para a economia, segurança e ambições globais do Reino Unido, que pediu o estatuto de parceiro na Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). A revisão estratégica nota que o poder da China e a sua assertividade internacional serão provavelmente o fator geopolítico mais importante da década. Numa mensagem para Pequim, descrita no relatório como "competidor sistémico", Londres vai enviar em maio o novo porta-aviões Queen Elizabeth para o Índico, transportando caças da força aérea dos EUA. "Para o Reino Unido ser um ator global tem de aceitar que o Indo-Pacífico é o novo centro geopolítico", disse ao The Guardian um dos relatores, o australiano Alexander Downer.
Rússia e Irão condenam
O documento da política externa britânica identificou a Rússia como a "mais severa ameaça direta ao Reino Unido", capaz de ter "o espectro completo" dos perigos. Coube ao porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, responder: "Isto não é verdade. Nenhuma ameaça vem da Rússia". E comentou: "Lamentamos muito que o Reino Unido tenha escolhido este caminho de aumentar as ogivas nucleares. Esta decisão prejudica a estabilidade internacional e a segurança estratégica", disse aos jornalistas. "A presença de ogivas nucleares é o que ameaça a paz em todo o mundo", concluiu. Moscovo e Londres viram as suas relações deteriorarem-se devido ao envenenamento do antigo espião duplo russo Sergei Skripal em Salisbury, em 2018, com o agente nervoso Novichok.
Também o Irão criticou a decisão de Londres e denunciou a "total hipocrisia" dos britânicos ao pretender expandir o arsenal nuclear e acusa outros países de violar a não-proliferação. "Em total hipocrisia, Boris Johnson está "preocupado com o Irão desenvolver uma arma nuclear viável". No mesmo dia, anuncia que o seu país vai aumentar o arsenal de armas nucleares.", apontou o chefe da diplomacia do Irão, Javad Zarif, no Twitter.
"Ao contrário do Reino Unido e dos aliados, o Irão acredita que as armas nucleares e todas as armas de destruição maciça são bárbaras e devem ser erradicadas", criticou o diplomata.
A proposta britânica de aumentar o stock nuclear foi também censurada pela ICAN (Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares). "A decisão do Reino Unido de aumentar o stock de armas de destruição em massa durante uma pandemia é irresponsável, perigosa e viola o direito internacional", afirmou a diretora da ONG vencedora do Prémio Nobel da Paz, Beatrice Fihn. Esta lembrou ainda que a medida "violaria os compromissos" assumidos sob o tratado de não-proliferação nuclear.
César Avó | Diário de Notícias
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