Ursula von der Leyen, argumenta que a produção da vacina russa «seria incapaz de corresponder à procura» europeia. Mas será que a Pfizer responde? A Moderna responde? A AstraZeneca responde?
O Departamento (Ministério) da Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos confirmou publicamente que realiza acções diplomáticas para dissuadir países de recorrerem a medicamentos produzidos por «Estados mal-intencionados» como a Rússia e a China. Um dos exemplos citados a propósito foi a intervenção para «persuadir o Brasil a rejeitar a vacina russa contra a Covid-19». Não explicando tudo, um episódio como este ajuda-nos a entender as histórias mal contadas que envolvem os processos de vacinação às escalas nacionais, regionais e global – e que estão a custar vidas humanas, pelas quais ninguém será, obviamente, responsabilizado.
Os esforços contra as «influências malignas» que pretendem salvar vidas são realizados pelo Ministério norte-americano da Saúde por via do Office of Global Affairs (OGA), a sua «voz diplomática» em todo o mundo através da qual, como se lê no seu website (2), se pretende «proporcionar liderança e experiência em diplomacia e política de saúde global, de modo a contribuir para um mundo mais seguro e saudável». Com os resultados que estão à vista…
Os casos que vieram a público estão relacionados com «as Américas», o velho «quintal das traseiras» do império. Nada nos garante, porém, que os tentáculos do OGA fiquem por aí e não desenvolvam outros exercícios de «persuasão» contra os «Estados mal-intencionados» por exemplo na União Europeia, encarada de Washington como uma possessão ultramarina do mesmo império.
Poderá parecer especulação, uma abusiva transposição. Deixará de sê-lo, porém, se prestarmos alguma atenção ao comportamento da Comissão Europeia e da Agência Europeia do Medicamento (EMA) em tudo quanto diz respeito à aprovação, comercialização e inoculação das vacinas contra a Covid-19.
Muitas vezes a chave da realidade está nos pormenores. Então vale a pena atentar neste: a EMA considera que os países da União Europeia em vias de começar a fabricar e a utilizar a vacina Sputnik V estão a «jogar à roleta russa», uma vez que ela não foi aprovada pela própria agência europeia. Estamos, sem qualquer dúvida, perante um esforço de «dissuasão» bem ao estilo do OGA do Departamento norte-americano da Saúde e Serviços Humanos.
O que na verdade vários países da União estão a fazer ao preparar-se para produzir e utilizar a vacina russa é, afinal, uma fuga à malha de ineficácia tecida pela Comissão Europeia e pela EMA agindo como central de selecção, compras e distribuição de vacinas para favorecer alguns imunizantes em detrimento de outros – claro, os produzidos por «Estados mal-intencionados».
Soberania e saúde
Entre os países europeus que se preparam para produzir a Sputnik V, mercê de acordos estabelecidos com as autoridades russas, estão a Alemanha, a França, a Espanha e a Itália, nações com influência determinante na União Europeia. Não há maior confissão do fracasso de Bruxelas ao assumir o controlo do processo de vacinação nos 27 do que esta situação. E não há maior sinal de seguidismo doentio e nocivo para a saúde pública do que aquele que é dado pelos países que continuam agarrados à fracassada estratégia da Comissão Europeia e à discricionariedade da EMA, entre os quais Portugal. E não, não é uma questão de escala ou dimensão: entre os membros da União que vão fabricar a vacina russa está a Finlândia.
Mais uma vez, o que está em causa é a soberania nacional e a capacidade de agir com independência e coragem em defesa das populações. Não é verdade, portanto, que o governo da República Portuguesa esteja a fazer tudo ao seu alcance para defender a saúde pública atacada pela Covid-19.
E, no entanto, não é necessário
ser muito perspicaz para perceber que a pandemia confirma a total incapacidade
da União Europeia para lidar com os problemas reais dos cidadãos dos Estados
membros. Na primeira fase do combate, no Inverno/Primavera de
Quando se trata de impôr a austeridade, de asfixiar a soberania dos Estados membros, de abolir direitos cívicos, sociais e laborais dos cidadãos, a União Europeia avança com as velas do federalismo bem enfunadas: veja-se a pressa com que pretende criar o «certificado verde» sanitário, violando a privacidade dos cidadãos e instaurando um apartheid entre vacinados e não vacinados; mas quando o que está em causa é proteger as pessoas a União não sabe e, na realidade, não quer. Não nasceu e não existe para isso.
A narrativa ao contrário
Ambientes como estes são naturalmente permeáveis a manobras de «dissuasão» teleguiadas de Washington como armas de uma guerra fria que não poupa sequer a saúde pública e interpreta a realidade ao contrário. Quando se pretende fazer crer que a Rússia e a China usam a vacinação contra a Covid-19 com o intuito de reforçar a influência geopolítica, o que acontece é precisamente o oposto: os Estados Unidos e a União Europeia politizam, de facto, a questão das vacinas chinesas e russa desenvolvendo propaganda para as desacreditar, inoculando o medo e a dúvida ou manipulando o mercado para as segregar.
A EMA foi muito lesta a aprovar
as vacinas produzidas pelos gigantes farmacêuticos Pfizer, Moderna e
AstraZeneca, não hesitando sequer em dar luz verde a técnicas de fabrico nunca
experimentadas em seres humanos, fazendo com que estes funcionem, de facto,
como cobaias – e violando o Código de Nuremberga, que, no rescaldo das
barbaridades nazis, proibiu experimentações
Ao invés, a mesma EMA não teve
ainda tempo para debruçar-se sobre a Sputnik V, por sinal a primeira de todas
as vacinas contra a Covid-
Mentiras e preconceitos de Ursula
Estamos perante um comportamento que visa evitar a utilização da vacina russa nos Estados membros da União Europeia, forçando muitos destes a contornar o diktat de Bruxelas negociando isoladamente com Moscovo para defender a saúde dos seus cidadãos. Mesmo que, por absurdo, não haja pressão directa do Departamento da Saúde dos Estados Unidos, Bruxelas há muito que assimilou a lição imperial sobre os «Estados mal-intencionados», mesmo que isso agora signifique, literalmente, a perda de vidas humanas.
Além de impor a rejeição de vacinas existentes e disponíveis, a Comissão Europeia continua a enredar os Estados europeus na cadeia de atrasos sucessivos nos fornecimentos contratados com os laboratórios «bem-intencionados». Não admira que seja cada vez maior o número de países da União que tomam o processo de vacinação nas próprias mãos, defendendo a saúde dos cidadãos perante interesses que põem o clima de guerra à frente do respeito pela vida.
De uma maneira muito reveladora
do seu manobrismo assente em mentiras e preconceitos, a presidente da Comissão
Europeia, Ursula von der Leyen, argumenta que a produção da vacina russa «seria
incapaz de corresponder à procura» europeia. Mas será que a Pfizer responde? A
Moderna responde? A AstraZeneca responde? No entanto, os laboratórios russos
garantem que estão em condições de produzir mil milhões de doses da Sputnik V
para os mercados internacionais durante o ano
Chegámos a uma situação em que a própria OCDE apela à União Europeia para acelerar a vacinação. Mas como, se Bruxelas, refém dos contorcionismos da guerra fria, insiste em comprar o que chega quando chega enquanto se recusa a comprar o que poderia chegar a tempo e horas?
Chama-se a isto defender a saúde das pessoas, respeitar os direitos humanos?
José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril
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