António Filipe* | Diário de Notícias | opinião
Mais do que discursos inflamados sobre a corrupção, vindos muitas vezes de quem nem tem autoridade moral para os fazer, o que importa é equacionar as melhores soluções para prevenir as suas causas, detetar, investigar e julgar as situações em que ocorra, punir os seus responsáveis e beneficiários, determinar a perda do enriquecimento gerado pelos crimes cometidos.
É muito justo que quem defende uma sociedade mais decente, quem não quer eleger corruptos para cargos políticos, ter corruptos em cargos públicos ou ver as manifestações de riqueza de empresários corruptores se sinta incomodado com a morosidade dos processos judiciais, com as possibilidades que parecem infinitas de utilização de expedientes processuais para escapar a condenações, pela manifesta ausência de investimento nos meios humanos e materiais indispensáveis para a investigação da corrupção e da criminalidade económica e financeira.
Num país que em breve celebrará o derrubamento de uma ditadura em que a corrupção era política de Estado, numa absoluta fusão entre o poder político fascista e os grandes interesses económicos e financeiros, a luta contra a corrupção é um combate em defesa do regime democrático e pelo aprofundamento da democracia, e não pode ficar à mercê de quem exercita o discurso de descrédito da justiça apenas com o objetivo de corroer os fundamentos da democracia, responsabilizando o regime democrático por um fenómeno que de democrático nada tem.
O que é necessário é que haja vontade política para avançar com medidas que há muito estão identificadas e que a experiência demonstra serem imprescindíveis para um salto qualitativo no combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira. É com esse sentido que o PCP insiste na criação do crime de enriquecimento injustificado e na proibição do recurso pelo Estado à arbitragem como forma de resolução de litígios de natureza administrativa e fiscal.
A criação de um tipo criminal de enriquecimento injustificado poderá ser um elemento de grande importância para a prevenção e deteção de crimes de corrupção, e é possível encontrar uma solução que não seja violadora de princípios e normas constitucionais, ao contrário das falsas soluções propostas pelos partidos de direita.
O que o PCP propõe é a criação de um dever geral de declaração às Finanças de quem disponha de património e rendimentos de valor superior a 400 salários mínimos nacionais mensais, e, posteriormente, um dever de declaração sempre que esse património registe um acréscimo superior a 100 salários mínimos, havendo nesse caso o dever de justificação da origem desse enriquecimento. O acréscimo patrimonial não constitui, em si mesmo, qualquer presunção de ilicitude. O que se sanciona como ilícita é a ausência de declaração ou da indicação de origem do património e rendimentos, o que, a ser corrigido, implica a dispensa de pena. A criminalização é agravada no caso dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Por outro lado, proibir o Estado de recorrer à arbitragem como forma de resolução de litígios que o envolvam em matéria administrativa e fiscal, e nomeadamente em matéria de contratação pública, é uma decisão legislativa que se impõe, em nome da mais elementar estratégia de prevenção da corrupção e da decência na defesa do interesse público.
O recurso à arbitragem, em matéria tributária, não é mais do que um privilégio oferecido aos grandes devedores, em violação do princípio segundo o qual todos os cidadãos são iguais perante a lei. Em matéria de contratação pública, o Estado, ao abdicar de submeter os litígios emergentes de contratos públicos aos tribunais, submete-se a uma forma de justiça privada que lhe é invariavelmente desfavorável, com graves prejuízos para o interesse público e com enormes proventos para os interesses económicos privados envolvidos.
*Deputado do PCP
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