domingo, 2 de maio de 2021

Angola | Continuando com a Constituição…

Apusindo Nhari | Jornal de Angola | opinião

26 de Abril de 2020 foi quando dissemos as nossas primeiras palavras aqui neste espaço, empreendendo uma caminhada que coincidia com o início da crise mundial da CoViD-19, há um ano atrás.

Começámos por nos interrogar sobre se a pandemia haveria de fazer "parar o tempo”... e fomos indo por diferentes atalhos, numa sucessão de curvas-temáticas. Sugerimos que o país "tirasse proveito” do alerta que a crise significava, que nos esforçássemos por mudar de postura diante das ameaças socioeconómicas que se adivinhavam...Opinámos que só proporcionando a toda a população serviços adequados de saúde e de educação, eliminando a miséria, é que seríamos capazes de resistir e vencer a crise. Fomos procurando respostas que nos conciliassem com as angústias acumuladas pela nossa geração. Até tropeçarmos na nossa Constituição.

Foi a 27 de Setembro do ano passado que desencadeámos o "ciclo constitucional”, com uma crónica onde fazíamos a aparentemente ingénua afirmação:

"O artigo 21º da nossa Constituição estabelece as tarefas do Estado, e está lá tudo. É só cumprir com o que nos deveria reger. E isso obriga a uma criteriosa gestão do que é de todos. Uma gestão pública acima de qualquer ideologia partidária, por um Estado parcimonioso e responsável, integrado por servidores, e não por indivíduos que dele se servem.”

Não que não estivéssemos conscientes, já naquela altura, que os contratos, sendo um elemento importante, são simultaneamente limitados pois não garantem, por si só, o cumprimento do que se estabelece. Não chega colocar regras num documento para que elas sejam cumpridas.

Uma das nossas preocupações - ao enveredar por esta modesta exploração dos ditames constitucionais - foi a convicção de ser importante todos conhecermos melhor as regras do contrato social que resultou na Constituição da República de Angola, que nos vincula a todos, cidadãos e governantes.

Concentrámo-nos no que nela está definido como "tarefas fundamentais do nosso Estado”. Daí termo-nos dedicado à leitura cuidadosa de cada uma das 16 alíneas do Artigo 21, à luz de situações por nós vividas e ao forjar da série de textos sobre aquelas "tarefas”. O processo de escrita, e adicionalmente a interacção com os leitores - que entretanto desencadeámos por email (apusindo.nhari@gmail.com) - foi uma descoberta e também um convite para revisitarmos vários dos temas aflorados e outras questões que nos foram surgindo.

Como se chegou a essa sequência de tarefas? Porque foram eleitas como "tarefas fundamentais do Estado”? Porque não se incluíram outras como o "garantir a laicidade”, "garantir a integração dos cidadãos com deficiência”, "garantir um serviço público independente de rádio e televisão”, para mencionar apenas alguns temas que até estão, noutras páginas, mencionadas na CRA e não foram incluídos entre as "tarefas fundamentais”?

Independentemente da resposta, consideramos que a Lei máxima é em si mesmo um convite permanente à reflexão cidadã e o facto de nos termos despertado para estas perguntas e reflexões é algo chave da nossa caminhada colectiva.

Estamos despertos para as limitações que se colocam ao conhecimento das respostas às questões levantadas. Já a 4 de Outubro nos interrogávamos: "E quantos teremos exercido o dever de estudar a Constituição? (com a elevada taxa oficial de analfabetismo, que ronda os 25%, e a sonolência de uma parte considerável dos letrados, muito poucos a teremos lido, ouvido ou interpretado). Para superar essa flagrante fraqueza da nossa existência (...) devemos começar por aí: conhecer as regras que nos devem reger, exigir a sua aplicação e regular aperfeiçoamento. Passarmos a ser uma Nação de cidadãos esclarecidos que participam na construção do Estado que o País precisa. A tarefa é de todos nós. De cada um de nós.”

Ao começarmos o nosso estudo, não adivinhávamos a "revisão pontual” da CRA que viria a ser lançada e que está actualmente em curso, tornando especialmente actual a necessidade dos cidadãos se informarem e contribuírem. Oxalá que as contribuições que venham a surgir das consultas não sejam ignoradas, em especial as que forem consensuais, pois tal resultaria em frustração, em desinteresse dos cidadãos pelos processos legislativos e, a prazo, numa cada vez menor participação.

Por isso consideramos essencial começar por clarificar as regras do jogo de qualquer auscultação e do processo de incorporação das propostas.

Lembremo-nos sempre que a participação dos cidadãos no moldar dos aperfeiçoamentos para fazermos de tão importante lei um instrumento adequado, é uma arma de defesa dos seus direitos e um garante da boa governação.

A série de crónicas sobre a Constituição começou motivada pelo desejo de contribuir para a sempre necessária análise do país na óptica do que somos, como estamos, como melhorarmos. Motivada também pelo desejo de entender o nosso contrato social - ou a falta dele... - e de contribuir para a divulgação dos termos do tal contrato que nos une.

Celebrámos também - com a crónica de domingo passado - um ano de ousar oferecer aos leitores um conjunto de opiniões e reflexões sobre variados temas. Crónica que foi a 50ª publicada neste jornal. Tendo ficado com a nítida sensação de que demasiados temas merecem ser revisitados. Propomo-nos, pois, continuar a aprofundar a conversa.

* Académico angolano independente

Sem comentários:

Mais lidas da semana