sexta-feira, 16 de julho de 2021

Angola | Colarinhos sufocantes

Jornal de Angola | opinião

Os larápios de “colarinho branco”, cada vez em maior número, por mais que os desapertem, continuam a sentir-se sufocados, porventura como jamais sonharam, mesmo nos piores pesadelos, face ao cerco que lhes é feito.

Muitas das nossas mães, quando nos surpreendiam escondidos, com medo, por termos feito qualquer traquinice, soltavam o adágio " muito medo, pouca vergonha”, aviso de que o que se seguia não era, em princípio, nada de bom. Dos castigos que nos esperavam os menos maus eram puxões de orelhas, uns tabefes, que logo passavam e permitiam, de imediato, liberdade para nossas aventuras. Eram uma espécie de cartão amarelo. Pior era sermos proibidos de sair de casa e ouvir risos e gritos de alegria, com tantas causas, de nossos amigos. Por exemplo, pela marcação ou defesa de um golo em trumuno de "vira aos cinco, termina aos 11” ou não menos animado "rede a rede”, também "quigosas” - penduraranços numa camioneta de carga -, jogar à bilha ou subir aos paus de fruta.

Quantos de nós, meninos daquele tempo, não nos recordamos da frase das nossas mães, perante os crimes da gatunagem do "colarinho branco” e coração sebento, cujos autores tentam, agora, esconder-se, deixando uns, de aparecer em público, outros, mais afoitos, misturando-se entre a multidão, substituindo as fatiotas por roupas mais simples, guardando parte dos produtos do roubos em malas, sacos, contentores. Afinal, também "têm muito medo, mas pouca vergonha”.

Alguns deles hão-de ser detidos. Nos interrogatórios ou em tribunal, simularão arrependimentos, verterão "lágrimas de crocodilo”. Pagãos, jurarão por deuses e diabos, denunciarão comparsas de crime. É o medo sem vergonha, seguindo a máxima "salve-se quem puder”, de quem não foi verdadeiramente menino de brincar na rua, de cumprir juras de cruz traçada, com pés descalços, em chão de areia vermelha cuspida, com aperto de mão, "até à morte”. Quem cumpriu este ritual, com base em ensinamentos levados de casa, nunca trai, assume responsabilidades., escusa-se a "sacudir a água do capote”.

Alguns dos bandoleiros de "colarinho branco” andam por aí, a tentar passar entre as teias da justiça, beneficiando do princípio de que "vale mais um criminoso à solta do que um inocente preso”.O estranho é que, entre aqueles malfeitores - espalhados, pelo país inteiro, por todos os sectores da sociedade - haja quem, mesmo após saber-se que a guerra contra o crime de "colarinho branco” estava aberta, tente escapulir-se e prossiga a acção que fez milionários sem nunca terem "vergado a mola”…

As somas incontáveis de euros e dólares escondidas em malas, sacos, tudo que era sítio - cujo destino era, certamente, o estrangeiro - apreendidas pelas autoridades responsáveis por este tipo de crimes apenas não surpreendem  o angolano comum, porque há muito ele deixou de se espantar com o que lhe sucede no que toca à intrujice e vigarice. O que ele se interroga, porventura, é "se agora é o que se sabe, o que terá sido antes” de ter começado esta guerra aberta contra os trapaceiros de "alta envergadura”, quando formavam elites intocáveis.

O que se pergunta agora é por quais motivos continuam a ter dinheiro, inclusive kwanzas, fora de circulação. Na esperança das coisas mudarem a favor deles e poderem voltar a servir-se, a bel-prazer, de dinheiro alheio? Ou trata-se de tentar enfraquecer, ainda mais, o erário, causar convulsões sociais, aumentar o desemprego, a fome?

 De uma forma ou de outra, quem esconde fortunas - em moeda estrangeira ou nacional - fá-lo por razões escusas. São toupeiras, atentam contra a normalização do país, alguns deles, não poucos, servindo-se dos cargos que lhes foram confiados na base de hipotética competência e lealdade...Os guardadores de dinheiros escusos, os trapaceiros de "colarinho branco”, já sentem falta de ar, mas ainda respiram e movimentam-se. 

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