domingo, 4 de julho de 2021

Angola | O Ódio Cego e os Bichos do Deserto

Artur Queiroz*, Luanda 

O ódio figadal à democracia é uma característica indisfarçável da UNITA. O partido antes odiava Angola independente, revolucionária e socialista. Manifestou esse sentimento destruidor ao alistar-se nas forças de defesa e segurança da África do Sul, em regime de apartheid. Jonas Savimbi arrastou os seus seguidores para o mísero papel de carne para canhão, porque bem sabia que os negros eram segregados, humilhados, desrespeitados, mortos nas ruas, nas esquadras, nos quartéis, nas prisões. Ou em Angola. Nunca esqueçam o massacre de Cassinga, nunca!

O ódio à democracia implica também odiar o MPLA, porque foi este movimento de libertação que conduziu os angolanos até aos píncaros da Independência. Porque foi o MPLA que se constituiu em vanguarda politica e militar, para defender a soberania nacional e a integridade territorial. Eu sei que isto já não se usa, mas nesses tempos heroicos usava-se e era a mais pura das verdades: O MPLA É o Povo e o Povo É o MPLA. As forças guerrilheiras foram proclamadas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) em Agosto de 1974. E Exército Nacional em 11 de Novembro de 1975.

A democracia angolana, nascida com o Acordo de Bicesse, foi atacada pela UNITA, quando perdeu as primeiras eleições multipartidárias, com duros golpes, desferidos directamente ao seu coração. O MPLA defendeu o regime democrático com unhas e dentes, até Savimbi acabar os seus dias de criminoso de guerra, como um pária, nas matas do Lucusse. Marcolino Moco, cabeça de lista do MPLA e por isso indigitado Primeiro-Ministro, descreveu esta tragédia de uma forma muito feliz: “A UNITA quer matar a democracia, ainda no ovo!”.

Tanto ódio a Angola e à democracia só podia dar em debandadas de respeitáveis dirigentes e militantes da UNITA. Uns saíram com estrondo, outros discretamente, outros ainda vivem angustiados, não vá saber-se que um dia estiveram ao lado do criminoso de guerra Jonas Savimbi. Os que ficaram, por mais voltas que deem, por mais riviangas que façam, por muito que mintam e finjam, são indubitavelmente inimigos da democracia e só descansam quando virem os angolanos, de novo, sob a pata de um qualquer senhor, seja defensor do apartheid declarado, ou fingido como ocorre nos EUA.

Ontem assisti ao debate na TPA sobre a revisão da Constituição da República. A deputada Mihaela Webba, da UNITA, deu um festival medonho de ódio a tudo quanto é diferente e pensa diferente. A menina espumava ódio e ressentimento. As veias do pescoço pulsavam com tal violência que ameaçavam rebentar. Temi o pior. Sendo jovem, não se compreende como, quando e onde acumulou tanto ódio à democracia angolana e aos angolanos. Disse várias vezes que é constitucionalista, mas ao mesmo tempo afirmou, com esgares de ódio, que a Constituição da República “tem muita coisa errada”. Os outros participantes no debate, entre os quais Lucas Ngonda, líder da FNLA, tentavam lançar água na fervura. Mas Mihaela não deixava. Parecia o Savimbi atirando com as elites femininas da UNITA para as fogueiras da Jamba. Aka!

Dona Mihaela, o texto constitucional é o que é. Errado não. Pode ter preceitos com os quais vossa excelência não está de acordo, mas como muito bem aconselha a Polícia Nacional, por favor, não entre em conflito com a Lei, muito menos com a Constituição da República.

Política é um pouco mais fina do que tiradas demagógicas eivadas de ódio e ressentimento. Diz a senhora deputada Mihaela que Angola não é uma democracia, porque se um cidadão com capacidade eleitoral quiser candidatar-se ao cargo de Presidente da República, tem de pertencer a um partido político. Alto lá. Essa norma tem a ver com a Democracia Angolana e não adianta fazer comparações com o Chile, EUA, Portugal, Roménia ou Haiti. Em Angola é assim: Só pode ser o mais alto magistrado da Nação, quem concorrer ao acto eleitoral, como cabeça de lista do partido que vencer as eleições. Mas atenção! Se não conseguir o apoio de uma ampla maioria na Assembleia Nacional, tem o fracasso garantido. Isto exige amplos consensos e garante a estabilidade política e social.

Senhora deputada Miahela! Se a UNITA conhece alguma angolana de excepção (ou angolano) só tem que lhe dar o lugar de cabeça de lista nas próximas eleições e automaticamente fica habilitada ou habilitado à eleição para a Presidência da República. Não precisa de pertencer ao partido. Como qualquer outra candidatura a deputada ou deputado. Portanto, o seu argumento é tão pobre que me faz ter pena dos seus alunos e colegas na Assembleia Nacional.

O ódio cura-se com conhecimento e o conhecimento estimula a inteligência. Quem é minimamente inteligente não guia a sua vida pelo ódio à democracia. Quanto mais não seja, porque não adianta. Aquelas e aqueles que se bateram até à morte pela independência, a soberania nacional e a integridade territorial também vão bater-se pela democracia. Acredite, senhora deputada. Vossa excelência está sentada no Parlamento, por estar. Mas a majoria das deputadas e deputados está lá porque tem como missão promover a democracia e fazer de Angola um país bom para o seu povo viver. Mihaela, tal como a UNITA, está condenada ao fracasso.

UM dia fui ao deserto do Namibe fazer uma reportagem com o séquito de um marquês espanhol, que era genro do ditador Franco. Uma prendada senhora da comitiva começou a fazer uns avanços e o repórter fotográfico disse que ela estava a atirar-se a mim. Naquele tempo atraía tudo quanto era desgraça. Disse respeitosamente à madame que não gostava de mulheres nem de homens, só de zebras. E contei-lhe como andava atrás delas. Ia direitinho às montanhas rutilantes, virava à esquerda até encontrar a mulola onde elas bebiam. Depois, uma delas escolhia-me. A senhora, entusiasmada, quis saber o nome de todos os bichos que encontrava pelo caminho.

Falei-lhe de lacraus gigantes, ratos com focinho de macacos, avestruzes e uma raridade, o Sukuama, que umas vezes era metade homem metade cobra. Outras, tinha cara de homem e corpo de pássaro gigante. Arranjei-lhe umas 50 versões do Sukuama. No final, a senhora, empolgada, bichanou-me ao ouvido: Anda para a minha tenda!

Espero que a senhora deputada da UNITA, Mihaela Webba, depois do que lhe expus, não me cuspa ódios e impropérios, em vez de pensar uns minutos sobre o assunto. Eu não duro sempre. E o Sukuama nunca existiu, foi um mero truque de emergência.

* Jornalista

FOTO: Mihaela Webba – como a senhora deputada se vê ao espelho.

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