domingo, 4 de julho de 2021

As universidades angolanas e timorenses devem adaptar-se à covid-19

J.T. Matebian, emTimor-Leste

O Vice-Reitor da Área Académica da Universidade Privada de Angola (UPRA) defende que os gestores universitários angolanos e timorenses, com a pandemia da covid-19, devem ajustar os Planos de Desenvolvimento Institucional. Na opinião de M. Azancot de Menezes, os docentes terão que adaptar os projectos pedagógicos dos cursos ao modelo de ensino online e aproveitar para mudar o paradigma do processo de ensino-aprendizagem.

As Instituições de Ensino Superior (IES) de todo o mundo sentiram o impacto da pandemia da covid-19. A imposição de medidas de biossegurança e outras acções implementadas nos diversos estabelecimentos de ensino foram uma solução necessária, mas, a situação continua a preocupar governantes, gestores e docentes universitários.

Sobre esta matéria decidimos auscultar a opinião de M. Azancot de Menezes, PhD em Educação pela Universidade de Lisboa, ex-Pró-Reitor da Universidade de Díli (UNDIL) e ex-assessor no Ministério de Educação e Cultura de Timor-Leste, actualmente Vice-Reitor da Área Académica da Universidade Privada de Angola (UPRA), um conhecedor das realidades do Ensino Superior de Angola e de Timor-Leste.

Prof. Azancot de Menezes, no caso de Angola e de Timor-Leste, as duas realidades que melhor conhece, as universidades nestes países como é que devem proceder face à covid-19?Devem ser encerradas?

De modo algum! A manter-se a situação pandémica controlada, havendo um rigoroso cumprimento das medidas de biossegurança, as universidades angolanas e timorenses, ou de qualquer outro país, devem adaptar-se à situação, o encerramento está fora de questão.

O modelo de ensino online  agora é incontornável e as universidades devem estabelecer novos objectivos estratégicos, metas e acções ajustadas ao contexto da pandemia da covid-19.

Por outras palavras, os gestores de topo e intermédios , onde se incluem reitores, directores, decanos e chefes de departamento, bem como os docentes, devem repensar os Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI) e trabalhar as (necessárias) adaptações em relação aos objectivos estabelecidos e aos projectos pedagógicos.

Os horários nas universidades, inclusivamente, poderão ser mais flexíveis para minimizar o ajuntamento de estudantes, com a grande finalidade de se evitarem riscos para a saúde de todos os membros da comunidade académica e, simultaneamente, manter-se a oferta educativa com a modalidade de ensino b-learning, um ensino híbrido, ou seja, presencial e não presencial.

É verdade que quando surgiu a pandemia com o novo coronavírus SARS-Cov2, segundo declarou a UNESCO em 2020, em mais de 150 países houve interrupção das actividades de ensino presenciais, contudo, é fundamental termos em consideração, alguns estudos recentes de cientistas e de instituições internacionais credíveis referem que a pandemia poderá durar mais 2 ou 3 anos e possivelmente nunca acabará, aparecendo de forma sazonal, como qualquer gripe comum ou com o surgimento de novas variantes de vírus.

Perante estes cenários previsíveis não me parece razoável nem recomendável que as universidades sejam encerradas, pelas razões que apontei, havendo necessidade de se repensar, isso sim, os modelos de ensino e os recursos didáctico-pedagógicos.

Obviamente, no caso de uma pandemia muito preocupante, os governos devem reavaliar a situação e tomar decisões sobre os encerramentos das IES, em conformidade com o nível de gravidade da situação.

Referiu-se ao Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)… O que é que significa “proceder a ajustes” no PDI e nos projectos pedagógicos? Quer explicar-se melhor, por favor?

O Plano de Desenvolvimento Institucional é um documento de planeamento estratégico que reflecte a filosofia da instituição. É concebido, executado e avaliado pela comunidade académica por um período de 5 anos, com o apoio das forças vivas da sociedade. Neste documento descreve-se a visão, a missão, os valores, os objectivos estratégicos, as metas e as acções que a universidade preconiza no domínio do ensino, pesquisa e extensão.

Como a maior parte das universidades concebeu o PDI antes da pandemia da covid-19, em quase todas elas a modalidade de ensino mais praticada ou única era a presencial, pelo que, será necessário que as universidades em Angola e em Timor-Leste, respondendo objectivamente à sua pergunta, se ajustem à pandemia, repensando os modelos de ensino, com a inclusão de aulas virtuais, através do Ensino à Distância (EaD).

Em contexto de pandemia, é bom realçar, os encontros online e por streaming contribuíram de forma significativa para a projecção de algumas universidades e para a interacção com outras IES nacionais e internacionais.

Na sua opinião as universidades lusófonas estão preparadas para o Ensino à Distância? Como é que está a Universidade Privada de Angola neste domínio?

As universidades brasileiras e portuguesas, na sua generalidade, penso que sim, principalmente em determinados cursos de graduação, no âmbito da pesquisa e na oferta de cursos de pós-graduação e de extensão.

Um académico da Universidade Federal de Santa Catarina, recordo-me, referiu que segundo a associação brasileira ABMES, 78% das IES privadas brasileiras tinham aulas por meios digitais.

Repare que esse processo de preparação para implementar o EaD irá remeter para as (novas) competências dos gestores, docentes e funcionários mas também para as condições de trabalho, suporte técnico aos docentes e estudantes, materiais didácticos devidamente adequados e implantados nas plataformas online, etc.

Todos estes aspectos pedagógicos e tecnológicos que referi implicam um planeamento muito reflectido por parte dos gestores das IES, enquadrado nos normativos sobre o EaD. No caso de Angola e de Timor-Leste, não me parece que todas as universidades tenham preparação adequada, e provavelmente o mesmo acontecerá em outros Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa  (PALOP), talvez um pouco melhor em Cabo Verde e em Moçambique.

Apesar destes constrangimentos, em Timor-Leste já começaram discussões sobre a matéria,  em Angola também, com legislação sobre o assunto, o que deixa alguma expectativa de que a mudança e a inovação estão a caminho. Também, em algumas universidades angolanas há encontros virtuais no âmbito da pesquisa e da extensão através do zoom.

Até há bem pouco tempo coordenei um grupo de pesquisa da UPRA que tem trabalhado via online, desde 2019, com académicos de universidades do Brasil (Universidade Estadual de Londrina), de Moçambique (Universidade de Luri) e de Portugal (Universidade Nova de Lisboa).

A Universidade Privada de Angola tem organizado várias conferências e concretizado acções com outras IES de forma virtual. Por exemplo, nos próximos dias 8 e 9 de Julho vamos organizar o 1º Congresso Internacional de Medicina da UPRA. Mas, estou em crer, nem todos têm tido este tipo de percurso, algo que já é (quase) rotineiro no Brasil e em Portugal.

Neste domínio, considero justo e pertinente realçar, a UPRA criou no início de 2020 um Centro de Ensino à Distância e está a realizar acções de formação específicas sobre EaD, há vários meses, para os seus docentes aprenderem a trabalhar de forma virtual. Portanto, estamos preparados para no próximo ano académico iniciarmos cursos de graduação e de especialização em b-learning.

Por outro lado, não há só optimismo. O processo de adaptação generalizado ao EaD poderá suscitar vários problemas, desde o descontentamento dos estudantes, devido ao facto de nem todos possuírem equipamento informático, até à falta de motivação de alguns docentes que irão fazer resistência porque os recursos didácticos terão que ser coerentes com a modalidade de Ensino à Distância. Mas, apesar destes embaraços, é minha convicção, a pandemia da covid-19 veio acelerar a implementação do ensino online.

O que é que as universidades menos preparadas para o EaD deverão fazer?

A primeira grande tarefa, quiçá com o apoio governamental e/ou de empresas especializadas, passa por caracterizar a situação no domínio das novas tecnologias. Qual é o nível de acesso dos estudantes à internet? Qual é o nível de competências e habilidades dos estudantes na utilização dos recursos digitais? Os docentes estão capacitados para lidar com as plataformas digitais? Os gestores de topo e intermédios precisam de saber responder a estas questões para programar acções de formação apropriadas.

Atendendo a todos estes aspectos, como já referi, é necessário repensar o PDI, ajustar os Programas Curriculares e criar recursos digitais. As IES tudo devem fazer para assegurar que haverá por parte dos docentes mudanças nas práticas profissionais, com a capacitação em EaD e com a aplicação de (novas) metodologias de ensino-aprendizagem para o desenvolvimento de competências.

Estas questões aqui levantadas sobre as competências dos professores em contexto de ensino não presencial devem ser encaradas com muita seriedade, pois, como opinou Daniel Mill, académico da Universidade de São Carlos e Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação à Distância no Brasil, ao contrário do ensino presencial que é exercido por um único docente, a docência no EaD, devido à complexidade das tecnologias nas quais se apoia, raramente é um empreendimento individual.

Sou defensor de que o ensino presencial deve continuar mas o ensino online é uma oportunidade de ouro para os docentes repartirem o método expositivo, usado nas universidades de forma abusiva, com outras modalidades organizativas e métodos de ensino promotores de um processo de ensino-aprendizagem centrado no desenvolvimento de competências, envolvendo os estudantes no estudo autónomo, na gamificação e na pesquisa.

Prezado Prof. Azancot de Menezes*, muito obrigado pelas suas contribuições.

Eu é que agradeço.

Original em Jornal Tornado

J.T. Matebian -- Correspondente em Timor-Leste

*M. Azancot de Menezes -- PhD em Educação / Universidade de Lisboa

*Também colaborador de presença assídua  em Página Global

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