sábado, 31 de julho de 2021

Daniel Hale, um herói americano

António Santos*

Num computador do Pentágono há uma lista de pessoas a assassinar. São dezenas de milhares, em todo o mundo. Parte dos nomes na lista são gerados automaticamente por um algoritmo a partir de meta-dados recolhidos na Internet, e o programa é global. Daniel Hale revelou esta monstruosidade, e arrisca 50 anos de prisão.

Daniel Hale é um herói americano e num computador do Pentágono há uma lista de pessoas a assassinar. Na Matriz de Disposição — foi assim baptizado o rol — constam os nomes de dezenas de milhares de pessoas, de todas as nacionalidades e em países de todo o mundo, pelo que não é totalmente impossível que também o teu nome conste, uma vez que não há critérios conhecidos para decidir quem vive e quem morre.

Daniel Hale, analista da Força Aérea dos EUA, revelou aos jornalistas do Intercept esta e outras informações que aqui descreverei, para que o mundo soubesse. É que se a hipótese de ser assassinado por um drone te parecer rebuscada, não ficarás mais tranquilizada/​o se souberes que parte dos nomes na lista são gerados automaticamente por um algoritmo a partir de meta-dados recolhidos na Internet e que o programa de assassinatos com drones é global.

Daniel Hale achou que isto era criminoso e que não podia, à semelhança dos nazis em Nuremberga, simplesmente cumprir ordens para que ninguém saiba. Porque mesmo que se apenas por erro fosses parar à lista de condenados à morte pelo governo dos EUA, não existiria nenhum tribunal a que pudesses apelar ou recorrer da sentença, não terias direito a advogados nem te seria concedido o direito a tentar provar a tua inocência no banco dos réus.

Daniel Hale podia ter cumprido as suas ordens, mas arriscou 50 anos de prisão por espionagem para que tu saibas. Repara, segundo o governo paquistanês, 80 por cento das vítimas de ataques por drones naquele país são, tal como tu certamente serias se improvavelmente o teu nome fosse misteriosamente gerado pelo algoritmo, inocentes assassinados por engano.

Uma arma de terror em massa

Daniel Hale foi preso em Maio de 2019 e foi mantido até hoje em regime de solitária para que tu não saibas. Funerais, concertos, festas de casamento, manifestações… parece não haver alvo que os drones hesitem em bombardear. Segundo a «política de enfrentamento» a que a Matriz de Disposição obedece, para além dos alvos, todos os «homens com mais de 18 anos» que morram num ataque de drone devem ser designados «combatentes». Danos colaterais é o que já se chamava às mulheres e às crianças.

Daniel Hale vai ouvir a sentença de um juiz no próximo dia 27 de Julho. Apesar de estarem na guerra como num videojogo, cada vez mais operadores de drones têm vindo a público condenar as matanças do programa de drones que Obama inaugurou, Trump expandiu e Biden continuou. Talvez por isso, os EUA têm investido muitos milhões no desenvolvimento de drones totalmente automatizados que, finalmente livres da interferência da humanidade, cumpram ordens como os nazis de Nuremberga.

Daniel Hale não é como os nazis de Nuremberga. Os responsáveis pelos crimes não foram sequer acusados, mas quem os denunciou será preso. Como Julian Assange, Chelsea Manning e Edward Snowden, Daniel Hale não perguntou o que podia fazer «pelo seu país», que agora o acusa de traição, mas o que podia fazer pela humanidade. Se Daniel Hale não for um herói americano, será um herói da humanidade.

O Diário.info

Fonte: https://www.avante.pt/pt/2486/internacional/164862/Daniel-Hale-um-her%C3%B3i-americano.htm

Sem comentários:

Mais lidas da semana