terça-feira, 31 de agosto de 2021

Afeganistão, eletricidade é ouro, e no roubar é que está o ganho

Bom dia este é o seu Expresso Curto

O novo estado da luz

Pedro Candeias | Expresso

Bom dia, Afeganistão.
Vinte anos depois do início e vinte quatro horas antes do fim anunciado, os EUA retiraram-se oficialmente do Afeganistão que é novamente um estado independente. Para trás ficaram duas décadas de presença militarizada, diplomática e política num país longínquo que disseram querer consertar e proteger logo que o expurgassem dos seus dois males: a Al-Qaeda de Osama Bin Laden e os talibãs que o escondiam.

Na mais longa guerra, despejaram incontáveis centenas de milhões de euros e combateram e enxotaram os talibãs, que nunca foram derrotados; encontraram e mataram Bin Laden no Paquistão e vingaram o 11 de Setembro; assumiram o poder e por ele ficaram lá até ao último dia de agosto de 2021: em menos de 15 dias, 123 mil pessoas deixaram Cabul.

E como noutras histórias de invasões, algumas delas neste mesmo território, o final desta foi caótico e violento: houve mortes, informações contraditórias, acusações, novas alianças e novas promessas, um atentado suicida e o surgimento de uma estirpe de um vírus antigo chamado ISIS-K que não agrada a invasores nem a invadidos.

O último dos cinco C-17 norte-americano levantou voo no frenético aeroporto de Cabul sob ameaças do Daesh e disparos de armas em jeito de celebração talibã, levando dentro dele o embaixador dos EUA e o general. Em terra ficaram muitos afegãos colaboracionistas e umas centenas de americanos – e ainda mais dúvidas sobre a real influência da todo-poderosa nação naquele lugar.

Pois os talibãs reconquistaram o terreno perdido e a capital num blitz, e trouxeram com eles, de novo, a versão mais extremista da sharia, montados não só em pickups e armas ultrapassadas, mas também com equipamentos americanos de última geração arrebatados aos militares afegãos.

Tudo demasiado estranho e estranhamente distópico, que impossibilita qualquer transição suave, o que, na verdade, nunca esteve no topo da lista das preocupações de Joe Biden. Parece claro que, para o presidente dos EUA, o que realmente importava agora era tirar os seus de lá, rapidamente e em segurança: “Esta retirada foi uma opinião unânime entre as chefias militares. Terminar a nossa missão militar era a melhor forma de proteger a vida dos nossos soldados e assegurar a saída para os civis que querem deixar o Afeganistão”.

Depois disto, virá o tempo da política, para mascarar esta derrota histórica em algo menos dramático, e a seguir os tempos diplomacia e das negociações para ajudar quem ainda não saiu e encontrar alternativas dignas para os refugiados. A Europa, que se viu arrastada pelos EUA neste abandono apressado, tem algumas ideias que envolvem dinheiro e botas no terreno.

Até que o último saia e apague a luz. E que cheguem as trevas.

OUTRAS NOTÍCIAS
Também sobre luzes: no aniversário do Katrina, o Ida deixou um milhão de pessoas em Nova Orleães sem eletricidade, 300 mil sem água, duas mil sem teto, e provocou duas mortes, uma por afogamento e outra por ferimentos resultantes de uma queda de uma árvore. Prevê-se que o número de vítimas “continue a subir”, apesar de a intempérie ter sido desgraduada pelos especialistas.

Ainda a luz: a eletricidade em Portugal e Espanha continua a subir para valores históricos e histriónicos. Porquê? Digamos que a culpa é do gás natural, da pandemia (e também da descarbonização) e da lei de todas as leis, a da oferta e a da procura, como nos explica o Miguel Prado em seis perguntas e respostas.

E finalmente uma luzinha que se fundiu: o Tribunal Constitucional chumbou uma lei que colhera o OK do PS, PSD, BE e PAN e que essencialmente dava poderes suficientes ao Ministério Público para apreender e-mails, dispensando consulta prévia de um juiz.

Sobre a Covid-19: os peritos pedem à DGS que reveja o protocolo e propõem o fim da quarentena para os vacinados, os testes rápidos de antigénio vão continuar a ser pagos em setembro e Portugal manteve-se como o sexto país da UE com mais novos casos diários num dia em que foi desmantelado o hospital de campanha no São João, do Porto. Foi um momento simbólico, que pode marcar uma viragem no combate a uma pandemia que nos mudou a vida. A começar pelas nossas casas.

No desporto - bem, mais ou menos no desporto - Rúben Semedo foi detido por suspeitas de violação de uma jovem, algo que o seu advogado desmentiu usando termos pouco jurídicos. Ainda na bola, o mercado de transferências está prestes a encerrar e a verdade é que ninguém tem lucrado tanto como as equipas portuguesas na última década.

PODCASTS A NÃO PERDER

No Afeganistão, o problema agora é da China? Com a saída dos Estados Unidos do Afeganistão, no meio de uma grande trapalhada, a China marca pontos na guerra fria 2.0 que se vai desenvolvendo entre os dois países. Mas há outros atores internacionais a que importa estar atento. Ouça o EXPRESSO DA MANHÃ, podcast assinado por Paulo Baldaia

✊ Louisette Texier (1913-2021)(1913-2021) Chamavam-lhe 'mulher selvagem' não por acaso. Texier passou por um orfanato, um cabaré e os circuitos de alta velocidade - em tudo e todos deixou a sua marca. Ouça o obituário escrito e interpretado por António Araújo no DESASTRES NATURAIS

❤️ “Tive paixões românticas, mas nenhuma me arrastou” Palavras do padre Borga, bem conhecido dos portugueses pela ligação à música. Ordenado há 30 anos, considera que 'a fé não subtrai a vida', antes acrescenta valor. Uma entrevista de vida a Daniel Oliveira na versão podcast do ALTA DEFINIÇÃO

*️⃣ Um asterisco para dizer que esta quarta-feira, 1 de setembro, estreia no Expresso e em todas as apps de podcasts O DIA EM QUE O SÉCULO COMEÇOU, um podcast especial de 8 episódios sobre o 11 de setembro e as duas décadas que se seguiram. A autoria é de Ricardo Costa - um novato nestas coisas do áudio 😉

FRASES
“O número de mortes na região aumentou 11% na semana passada, com uma projeção credível a prever 236.000 mortes na Europa até dezembro”, Hans Kluge, da OMS, sobre a Covid-19

“Não vamos ficar à espera que eles [autoridades nacionais de Saúde] demorem uma eternidade para decidir coisas que são óbvias - a terceira vacinação, sobretudo para os grupos de primeira linha, como Israel já está a fazer”, Miguel Albuquerque sobre a terceira dose contra a covid-19 na Madeira

O QUE ANDO A LER
Num lugar e num tempo nunca ditos, e durante uma guerra inexplicada, os gémeos são entregues à avó por uma mãe em fuga. Pede-lhe que cuide dos filhos até o seu regresso e a conversa crua dá o tom para o “Grande Caderno”, a primeira parte da “Trilogia da Cidade de K.”, de Ágota Kristóf (ed. Relógio d’Água). “A Prova” e a “Terceira Mentira” completam a obra da escritora húngara que conta a história destes dois irmãos complexos que a dado momento se separam para se reencontrarem depois, quando a distância e as circunstâncias tornam impossível a convivência entre ambos.

É no “Grande Caderno” - onde se narra o crescimento destes dois gémeos com a avó, um oficial alemão gay, um ordenança prestável e outros personagens que se cruzam com eles - que o livro de Kristóf surpreende. Diálogos curtos encadeados, descrições de atos violentos e carinhosos, imorais e justos sem quaisquer juízos de valor ou explicações demoradas associadas aos mesmo; a vida e a morte tal como estas serão durante a guerra, implacáveis e animalescas e despojadas de razão pois sobreviver é tudo o que importa. E se isso significa matar o pai numa emboscada calculista ou ajudar a avó a morrer pelo caminho, que seja.

Por hoje é tudo.

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