Bom dia este é o seu Expresso Curto
O novo estado da luz
Pedro Candeias | Expresso
Bom dia, Afeganistão.
Vinte
anos depois do início e vinte quatro horas antes do fim anunciado, os
EUA retiraram-se
oficialmente do Afeganistão que é novamente um estado independente.
Para trás ficaram duas décadas de presença militarizada, diplomática e
política num país longínquo que disseram querer consertar e proteger logo
que o expurgassem dos seus dois males: a Al-Qaeda de Osama Bin Laden e os
talibãs que o escondiam.
Na mais longa guerra, despejaram incontáveis centenas de milhões de euros
e combateram e enxotaram os talibãs, que nunca foram derrotados; encontraram e
mataram Bin Laden no Paquistão e vingaram o 11 de Setembro; assumiram o poder e
por ele ficaram lá até ao último dia de agosto de 2021: em menos de 15 dias,
123 mil pessoas deixaram Cabul.
E como noutras histórias de invasões, algumas delas neste mesmo território, o final
desta foi caótico e violento: houve
mortes, informações contraditórias, acusações, novas
alianças e novas promessas, um atentado suicida e o surgimento de uma
estirpe de um vírus antigo chamado
ISIS-K que não agrada a invasores nem a invadidos.
O último dos cinco C-17 norte-americano levantou voo no frenético
aeroporto de Cabul sob ameaças do Daesh e disparos de armas em jeito de
celebração talibã, levando dentro dele o embaixador dos EUA e o general. Em
terra ficaram muitos afegãos colaboracionistas e umas centenas de americanos –
e ainda mais dúvidas sobre a real influência da todo-poderosa nação naquele
lugar.
Pois os talibãs reconquistaram o terreno perdido e a capital num blitz, e
trouxeram com eles, de novo, a versão mais extremista
da sharia, montados não só em pickups e armas ultrapassadas, mas também com equipamentos
americanos de última geração arrebatados aos militares afegãos.
Tudo demasiado estranho e estranhamente distópico, que impossibilita
qualquer transição suave, o que, na verdade, nunca esteve no topo da lista das
preocupações de Joe Biden. Parece claro que, para o presidente dos EUA, o que
realmente importava agora era tirar os seus de lá, rapidamente e em segurança:
“Esta retirada foi uma opinião unânime entre as chefias militares. Terminar a
nossa missão militar era a melhor forma de proteger a vida dos nossos soldados
e assegurar a saída para os civis que querem deixar o Afeganistão”.
Depois disto, virá o tempo da política, para mascarar esta derrota histórica
em algo menos dramático, e a seguir os tempos diplomacia e das negociações para
ajudar quem ainda não saiu e encontrar alternativas dignas para os refugiados.
A Europa, que se viu arrastada pelos EUA neste abandono apressado, tem algumas
ideias que envolvem
dinheiro e botas no terreno.
Até que o último saia e apague a luz. E que cheguem as trevas.
OUTRAS NOTÍCIAS
Também sobre luzes: no aniversário do Katrina, o
Ida deixou um milhão de pessoas
Ainda a luz: a eletricidade em Portugal e Espanha continua a subir para
valores históricos e histriónicos. Porquê? Digamos que a culpa é do gás
natural, da pandemia (e também da descarbonização) e da lei de todas as
leis, a da oferta e a da procura, como nos
explica o Miguel Prado em seis perguntas e respostas.
E finalmente uma luzinha que se fundiu: o Tribunal
Constitucional chumbou uma lei que colhera o OK do PS, PSD, BE e PAN e
que essencialmente dava poderes suficientes ao Ministério Público para
apreender e-mails, dispensando consulta prévia de um juiz.
Sobre a Covid-19: os peritos pedem à DGS que reveja o protocolo e propõem
o fim da quarentena para os vacinados, os testes rápidos de antigénio vão
continuar a ser pagos em setembro e Portugal manteve-se como o sexto
país da UE com mais novos casos diários num dia em que foi
desmantelado o hospital
de campanha no São João, do Porto. Foi um momento simbólico, que pode
marcar uma viragem no combate a uma pandemia que nos mudou a vida. A começar
pelas nossas casas.
No desporto - bem, mais ou menos no desporto - Rúben Semedo foi
detido por suspeitas de violação de uma jovem, algo que o seu advogado desmentiu
usando termos pouco jurídicos. Ainda na bola, o mercado de transferências
está prestes a encerrar e a verdade é que ninguém tem lucrado
tanto como as equipas portuguesas na última década.
PODCASTS A NÃO PERDER
No
Afeganistão, o problema agora é da China? Com a saída dos Estados
Unidos do Afeganistão, no meio de uma grande trapalhada, a China marca pontos
na guerra fria 2.0 que se vai desenvolvendo entre os dois países. Mas há outros
atores internacionais a que importa estar atento. Ouça o EXPRESSO DA MANHÃ,
podcast assinado por Paulo Baldaia
✊ Louisette
Texier (1913-2021)(1913-2021) Chamavam-lhe 'mulher selvagem' não por
acaso. Texier passou por um orfanato, um cabaré e os circuitos de alta
velocidade - em tudo e todos deixou a sua marca. Ouça o obituário escrito e
interpretado por António Araújo no DESASTRES NATURAIS
❤️ “Tive
paixões românticas, mas nenhuma me arrastou” Palavras do padre Borga,
bem conhecido dos portugueses pela ligação à música. Ordenado há 30 anos,
considera que 'a fé não subtrai a vida', antes acrescenta valor. Uma entrevista
de vida a Daniel Oliveira na versão podcast do ALTA DEFINIÇÃO
*️⃣
Um asterisco para dizer que esta quarta-feira, 1 de setembro, estreia no
Expresso e em todas as apps de podcasts O DIA
FRASES
“O número de mortes na região aumentou 11% na semana passada, com uma projeção
credível a prever 236.000 mortes na Europa até dezembro”, Hans Kluge, da
OMS, sobre a Covid-19
“Não vamos ficar à espera que eles [autoridades nacionais de Saúde] demorem uma
eternidade para decidir coisas que são óbvias - a terceira vacinação, sobretudo
para os grupos de primeira linha, como Israel já está a fazer”, Miguel
Albuquerque sobre a terceira dose contra a covid-19
na Madeira
O QUE ANDO A LER
Num lugar e num tempo nunca ditos, e durante uma guerra inexplicada, os gémeos
são entregues à avó por uma mãe
É no “Grande Caderno” - onde se narra o crescimento destes dois gémeos com a
avó, um oficial alemão gay, um ordenança prestável e outros personagens que se
cruzam com eles - que o livro de Kristóf surpreende. Diálogos curtos
encadeados, descrições de atos violentos e carinhosos, imorais e justos sem
quaisquer juízos de valor ou explicações demoradas associadas aos mesmo; a vida
e a morte tal como estas serão durante a guerra, implacáveis e animalescas e
despojadas de razão pois sobreviver é tudo o que importa. E se isso significa
matar o pai numa emboscada calculista ou ajudar a avó a morrer pelo caminho,
que seja.
Por hoje é tudo.
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