sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Conhecer a história é um garante para conhecer a vida

Martinho Júnior, Luanda 

Durante décadas as doutrinas dominantes implicadas na hegemonia unilateral tentaram alienar o homem da natureza e da vida e essa é a razão da irracionalidade humana no sentido da barbárie feudal que tanto tem atingido o Sul Global, a ponto de implicar tanto caos, tanto terrorismo e tanta desagregação.

A definição da IIIª Guerra Mundial não declarada mas que se arrasta desde o último dia da II há mais de 75 anos, passa por essas considerações, abrindo as portas para conceitos vitais que urgem, porque já está em causa a segurança vital da humanidade.

Os que pretendiam “o fim da história” por via dos impactos neoliberais, já levaram longe demais a nocividade dessa filosofia que tanto tem a ver com o caos, o terrorismo e a desagregação.

À dialética da hegemonia unipolar na sua ânsia de domínio unilateral sobre os demais, contrapõe-se hoje a segurança vital de toda a humanidade, porque essa barbaridade é já reconhecidamente o factor essencial que está a levar ao fim da espécie!...


01- Os Serviços de Informações e Segurança do Estado, SINSE, na sequência da Iª Conferência Nacional sobre a Memória História que se realizou na cidade do Lobito em Fevereiro de 2020, apesar dos contratempos da pandemia continua a saga no sentido de apurar um alargado levantamento de memória histórica do seu colectivo e de forma abrangente.

Essa é uma fórmula lúcida de equacionar a comunidade de inteligência em Angola e tornar essa equação digna da responsabilidade do estado angolano para com as presentes e futuras gerações!

De entre as razões saudáveis duma iniciativa como essa há pelo menos seis que merecem sensível destaque:

. No momento em que a espécie humana, agora também em função de relatório de peritos ao serviço da ONU, está em perigo, urge confirmar o conceito que a segurança não é um valor imediatamente abaixo da vida, mas está inerente à própria vida – a segurança antes de tudo o mais deve ser encarada como segurança vital do colectivo;

. A lógica com sentido de vida, ao considerar a segurança inerente à vida, garante a sequência das premissas essenciais do movimento de libertação em África, tendo em conta que esse movimento de libertação ocorreu em nome da vida dos oprimidos de largos séculos que buscavam a sua libertação, que não é apenas um mero passo de bandeira, ou de natureza sociopolítica;

. Aproveitar a energia do movimento de libertação em função da lógica com sentido de vida, implica conhecer o movimento de libertação no que o distingue dos etno-nacionalismos, assim como das razões históricas e profundamente vitais dessa destrinça:

. Ao garantir essa sequência, a segurança vital deve perceber os factores dialéticos inerentes ao ambiente e ao clima, levando em consideração que os direitos da Mãe Terra situam-se indelevelmente acima dos direitos humanos e com isso, tendo em conta o papel da água enquanto factor de vida, a abordagem relativa à água se torna fundamental; na guerrilha os combatentes da liberdade, para sua própria sobrevivência levavam em conta o balanço sobre a existência ou não de água para conseguir realizar a sua manobra, fosse ela de ordem estratégica, fosse ela de ordem tática, sabendo que o colonialismo, o “apartheid” e seus apêndices, jogavam também com esse balanço que implicava também conhecimento;

. Ao garantir essa sequência, a valorização da história se torna fulcral porque permitindo aglutinar todas as outras disciplinas humanas (entre elas a antropologia, a sociologia e a psicologia) e económicas, a fim de melhor compreender as contradições antagónicas e as contradições secundárias, pode permitir hoje contribuir para a construção duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável em benefício das presentes e futuras gerações;

. Todo esse processo de lógica com sentido de vida e de geoestratégia para um desenvolvimento sustentável, concorre para a formulação duma cultura de inteligência patriótica que urge em Angola, também por causa de ser necessário garantir a paz no continente, conhecendo e balanceando desde logo os contraditórios no ambiente, no homem africano e os contraditórios com o que muitas vezes chega de fora do continente e é nele nocivamente induzido…

O renascimento africano não pode ser levado a cabo de ânimo leve!


02- Nas sociedades filtradas por processos mentais de natureza estruturalista, está a ocorrer que os impactos neoliberais afastam as questões de segurança da planificação e programação das políticas de investimento e desenvolvimento e com isso inibem a percepção de segurança vital tão urgente…

A hegemonia é dialética em relação aos dominados, mas incentiva o pensamento e a acção de natureza estruturalista no “soft power” de suas escolas para melhor dominar!

Quando os projectos são gerados, a segurança é demasiadas vezes vista como um obstáculo, ao invés de ser parte intrínseca da criação, na perspectiva de sustentabilidade, de respeito para com a própria natureza, para com o ambiente, para com a vida e de forma a garantir benefícios para as presentes e futuras gerações.

Desse modo, antes mesmo dos projectos arrancarem fisicamente, os homens da segurança devem estar no terreno a fim de melhor avaliar os aspectos de segurança vital que passam pela realização dos projectos e programas de investimento e desenvolvimento, como pelos seus impactos, resultados e proficuidade.

Acompanhar os projectos e os programas económicos desde a sua raiz é um imperativo para as questões que se levantam no âmbito da segurança vital!

03- Essa atenção em Angola deve ser fundamental na região central das grandes nascentes, porque é necessário que o homem não belisque os factores climático-ambientais dessa região fulcral para a vida em todo o espaço nacional e circunvizinho ao território angolano, até porque é necessário levar em linha de conta que com o aquecimento global os desertos do Kalahari e do Namibe tendem a expandir-se para norte, estando na eminência de atingi-la!

Assim para gerar uma cultura de inteligência patriótica e nos termos desta apreciação que também se relaciona com a história, o SINSE pode tornar-se um garante de aglutinação do conhecimento científico e investigativo sobre a região com 300 km de raio em torno do marco geodésico de Camacupa, a fim de melhor equacionar os esforços que correspondam a uma geoestratégia de desenvolvimento sustentável indexada à vida!

Vencer o subdesenvolvimento crónico que advém dum passado de séculos que foram de opressão e de inibição antropológica do homem angolano, passa pela afirmação dos conceitos que tanto têm a ver com a essência da própria vida!

O SINSE deve também prover a sustentabilidade das capacidades investigativas e científicas nas universidades e institutos superiores angolanos, deforma a incentivar o conhecimento e a aplicação dos conceitos fermentadores da tão necessária segurança vital, até por que a aplicação requer pedagogia e mobilização humana, particularmente da juventude.

04- O conjunto destes conceitos corresponde às potencialidades duma doutrina influente na manobra do estado angolano dando sequência ao movimento de libertação em função da trilha de lógica com sentido de vida, algo que tem a ver também com a apreciação histórica alargada e segundo um ponto de vista dialético capaz de consolidar a paz, inclusive nos seus termos de justiça social.

A história da inteligência colectiva e no colectivo comporta lições que não se devem desprezar, mas saudavelmente incentivar.

Subjacente a cada Conferência Provincial, Regional ou Nacional sobre História e Memória colectiva que se realizar sob a iniciativa do SINSE, essa doutrina ferve nos subterrâneos do conhecimento, porque as acções críticas em relação ao homem e ao respeito devido à Mãe Terra, urgem!

Por essa razão a História e a memória no colectivo devem continuar a ser valorizadas no SINSE como um sustentáculo da filosofia de que se deve nutrir o próprio estado angolano a fim de desse estado não se deixar nem confundir, nem baralhar, antes se possa prosseguir no tanto a que se tem obrigado na sequência do movimento de libertação, em prol de paz e do desenvolvimento!

Martinho Júnior

Luanda, 16 de Agosto de 2021, data da Iª Conferência Provincial do MINSE no Bengo

Imagens recolhidas a 29 de Julho de 2010 na ASPAR, Acção Social Para Apoio e Reinserção, no Caxito, Província do Bengo; as duas primeiras ilustram a Assembleia Provincial dos membros e a terceira a casa de adobe que albergava a delegação provincial àquela data.

Pelo renascimento africano, as filosofias mais saudáveis são aquelas que são alicerçadas desde o chão libertário que nossos próprios pés pisam!

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