Acácio Pereira | Diário de Notícias | opinião
O recente relatório de atividades de 2020 da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) vem somar mais razões de peso para impedir a intenção de António Costa de destruir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), fundindo-o com a PSP, com a GNR e com a Polícia Judiciária no que respeita às funções policiais. A razão é simples: tanto a GNR como a PSP têm muito mais práticas de abuso de autoridade, discriminatórias, violentas e violadoras dos deveres de conduta referenciadas do que o SEF.
A tentativa de destruição do SEF teve origem na total incapacidade do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, de gerir politicamente o episódio hediondo da morte de Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa. Perante um incidente tão grave, Eduardo Cabrita e a então diretora Nacional do SEF nada fizeram durante oito longos meses: quando essa inação se tornou intolerável perante a opinião pública e a posição de Eduardo Cabrita passou a ser politicamente insustentável, o primeiro-ministro fugiu em frente procurando destruir um serviço especializado nos domínios da imigração, fronteiras e asilo para salvar a cabeça do ministro.
O problema desta fuga para a frente é, em primeiro lugar, o prejuízo que causa ao país por meras razões de (má) tática política. Mas torna-se ainda mais insustentável quando pretende transferir competências para forças e serviços que têm muitos mais problemas de ilegalidade na sua atuação e de direitos humanos - sem comparação! - do que o serviço que se pretende destruir.
Como toda a gente sabe, a morte do cidadão ucraniano foi um episódio isolado e absolutamente singular. Mesmo que se lhe junte a meia-dúzia de queixas não provadas e que ficaram caladas durante anos e a que os órgãos de comunicação deram enorme projeção mediática em 2020, ficamos com a escala dos problemas de um serviço que, antes da pandemia, lidava pessoalmente com mais de 20 milhões de pessoas por ano. É necessário que se tenha a noção real de que nenhuma outra polícia ou serviço público interage com um volume de pessoas desta dimensão!
Para ser exato e citar os números
expressos na página 11 do relatório de 2020 da IGAI: a GNR teve 335 ocorrências
denunciadas e certidões extraídas; a PSP 530, e o SEF 58, das quais 35 são
relacionadas com tempos de espera em atendimentos para questões documentais nas
instalações de todo o país.
O que se passa na GNR e na PSP é de outra natureza, essa expressa no volume,
recorrência e persistência de ocorrências.
- Mortes: na GNR, 1; na PSP, 1; no SEF, 1.
- Ofensas à integridade física: na GNR, 69; na PSP, 126; no SEF, 1.
- Crimes contra a liberdade pessoal e sexual: na GNR, 4; na PSP, 6; no SEF, 0.
- Práticas discriminatórias: na GNR, 1; na PSP, 12; no SEF, 0.
Ou seja: aquilo que no SEF foi episódico e único, na PSP e na GNR é estrutural.
Não faz por isso sentido entregar a gestão dos riscos de segurança associados às redes de tráfico de seres humanos que exploram imigrantes em Portugal, bem como a gestão de fronteiras, a forças que, para além de não terem qualquer know-how de prevenção e combate a este tipo de crime ou experiência na proteção das suas vítimas, têm no seu modo corrente de atuação problemas graves de direitos humanos.
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