Bronca nas contas do Estado: Tribunal de Contas entrega parecer que confirma ilegalidades graves na gestão dos recursos públicos — PAICV pede intervenção do Ministério Público
Com seis meses de atraso, o Tribunal de Contas (TdC) acaba de entregar ao Parlamento o parecer sobre as contas Gerais do Estado referentes ao ano de 2018, que, por lei, deveria ter sido remetido à Assembleia Nacional até 31 de dezembro de 2020. Numa conferência de imprensa realizada esta segunda-feira, 23, na cidade da Praia, o Secretário Geral do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, Oposição), aponta um conjunto de anomalias graves confirmadas pelo parecer do Tribunal de Contas. Julião Varela revela que são casos de intransparência e irregularidades na gestão de recursos públicos pelo Governo do Movimento para a Democracia (MpD). Por isso, anuncia que o PAICV pede que o referido relatório seja remetido ao Ministério Público para o apuramento de eventuais responsabilidades criminais.
Conforme o Secretário Geral do maior partido da oposição, este parecer que, "estranhamente", foi aprovado com voto vencido do próprio Juiz Presidente, evidencia um conjunto de irregularidades nas contas do Estado durante o ano de 2018.
Para o político, regista-se a violação de várias disposições da Lei do Enquadramento Orçamental em vigor na altura, nomeadamente o princípio da unidade e Universalidade e a cobrança de receitas não orçamentadas. Julião Varela considera que são as irregularidades constatadas pelo próprio Tribunal de Contas e destaca como os mais visíveis "erros ou omissões com elevados montantes tanto à saída como à entrada; Não prestação de contas sobre as Privatizações – Parcas ou nenhuma informação sobre o Património do Estado; Utilização indevida de receitas consignadas; Elevadas dividas ao INPS, resultante da não entrega dos descontos feitos no salário dos trabalhadores como um montante de 4.188.554.631, o dobro do valor encontrado em 2016".
Segundo a mesma fonte, este parecer "deita por terra" todo o discurso do Governo em relação à suposta trajetória no sentido da redução da dívida publica. "Como se confirma agora pelo Tribunal de Contas, já em 2018 o País estava altamente endividado, com a divida pública global a situar-se nos 131,2%, o valor mais baixo conseguido pela governação do Movimento para a Democracia (MpD), aponta, acrescentando que esta é uma situação "muito preocupante".
"Pois, a divida de toda da Administração Publica direta e indireta assume o montante global de 8.988.286.264$00 sem incluir os 2.2 mil milhões de contos do Layoff que o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) vem suportando e que o Governo não quer assumir como dívida", mostra.
Falta de transparência, gastos indevidos e projetos sem visto do TdC
O SG do PAICV acusa o Governo do MpD pela "má gestão" de recursos e aponta alguns exemplos da intransparência dos recursos públicos que, segundo o seu aquele responsável, para o Tribunal de Contas configuram-se como "pagamentos indevidos".
"No Ministério das Infraestruturas, Ordenamento do Território e Habitação (MIOTH), foram identificadas situações em que o valor executado em alguns contratos é superior ao valor contratualizado que para o Tribunal de Contas configuram-se como pagamentos indevidos; O MAI apresentou um contrato celebrado em 05 de dezembro de 2018 para a aquisição de 6 (seis) viaturas no valor de 13.980.000 CVE, sem o obrigatório visto do TdC; Na Câmara da Praia, foram identificados em 2018, oito contratados executados sem submissão ao visto do Tribunal de contas, no valor global de 431.922.711$00. Foram ainda identificados, mas três contratos de financiamento no valor de 150.000.000$ também sem vistos além de pagamentos indevidos resultantes das chamadas obras a mais em alguns contratos", enumera.
Contas sem mapa e falta da transparência nos benefícios fiscais
Julião Varela destaca outras irregularidades referidas detetadas pelo Tribunal de Contas e referida no parecer. "A Conta Geral do Estado relativa ao ano de 2018 não se encontra devidamente instruída e sem alguns mapas exigidos à luz da Lei n.º 78/V/98, de 7 de dezembro, Lei de Enquadramento Orçamental; Persiste ainda alguma inconsistência entre os dados do Instituto Nacional de Previdência Social e a Conta Geral do Estado relativa ao ano de 2018, o que dificultou a verificação das informações relativas a execução orçamental da Segurança Social por parte do Ministério das Finanças; A inobservância, do princípio da unicidade de caixa permanecendo fora do sistema de bancarização a Assembleia Nacional, a Presidência da República, o Sistema de Informatização da Justiça, o Cofre Geral de Justiça, a Universidade de Cabo Verde e as Embaixadas; Incumprimento do disposto no n.º 3 do art.º 26º, da LEO pela não comunicação à Assembleia Nacional das alterações orçamentais ocorridas no orçamento; Falhas no controlo e seguimento das receitas consulares51, e de algumas receitas consignadas; Nota-se que a rubrica Outras Operações continua a registar avultados movimentos de entradas (1.946.698.527 CVE) e saídas (2.878.296.519 CVE), sabendo que se trata de uma rubrica residual. Esses movimentos continuam sendo feitos fora do perímetro orçamental"..
"A Não observação do princípio da transparência na concessão de Benefícios Fiscais conforme determina o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 4º do Código dos Benefícios Fiscais"; "A subavaliação da despesa fiscal registada na CGE por não incluir os valores provenientes de benefícios fiscais em sede do IVA, do IRPS, do imposto de selo, e do REMPE"; "A não criação do fundo dos avales concedidos pelo Estado, ao abrigo da lei vigente e a falta de englobamento na Conta Geral do Estado das dividas das Autarquias Locais", são outras preocupações apontadas pelo maior partido da oposição cabo-verdiana (PAICV).
Endividamento público e mais de 2 mil contos fora do orçamento
Para o partido tambarina, houve "pouca prudência" no que se refere ao endividamento das Empresas do Setor Público Empresarial e o saneamento das dívidas evidenciadas no encontro de contas entre as empresas públicas, e também empresa privada destinatárias de fundos públicos, com o Estado de Cabo Verde.
"Nenhuma informação respeitante ao património do Estado, nomeadamente a sua inventariação e as respetivas alterações patrimoniais, eventualmente ocorridas durante o exercício orçamental em apreço; Pagamentos efetuados no montante de 2.188 805 599$00 fora do Tesouro e sem informações sobre porque meios foram feitos", ressalta.
Ciente da competência do Parlamento cabo-verdiano, Julião Varela assegura que há muitas questões suscetíveis de serem analisadas para efeitos de responsabilização e garante que seu partido vai defender que essa conta seja reencaminhada ao Ministério Publico, que pode julgar, exigindo responsabilidades criminais aos governantes e dirigentes visados.
A Semana (cv)
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