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Bernardo Machado | UOL | opinião
Tornada refém, a pátria calcula como se libertar. Desde o anúncio dos atos em 07 de setembro, a Independência do Brasil foi encarcerada sob as palavras de Jair Bolsonaro. Após alguns (poucos) meses em que o presidente precisou responder por sua responsabilidade na condução tanto da pandemia quanto da economia, ele voltou, com força, a pautar o debate público. Nas últimas semanas, as manchetes de jornais e os comentários de analistas avaliam o que pode ocorrer na data. Enquanto isso, políticos, representantes dos poderes democráticos e entidades da sociedade civil medem suas ações e reações.
Se até 07 de setembro de 1822 o Brasil foi colônia de Portugal, hoje o país está sequestrado por um "imperialismo bolsonarista", uma forma de colonização das nossas pautas políticas e de nossa democracia. Para existir, uma postura imperialista depende de algumas estratégias: o estabelecimento de uma confraria, a reescrita da história e a colonização dos outros.
A confraria se constrói com a partilha de referenciais, com o convívio cotidiano e com a adoção de um linguajar. Mas, sobretudo, a comunhão depende de estabelecer uma oposição, no caso do universo bolsonarista, os chamados "inimigos". A eles é endereçada a desconfiança, o desprezo e o ódio. Nesse tipo de imperialismo, o mundo é dicotômico, os outros são perversos e as nuances são meras formalidades.
Já a reescrita da história se constitui via a "guerra da memória". Por exemplo, a respeito da ditadura militar, esse imperialismo nega sua existência e alega que as torturas não existiram de maneira sistemática. No atual contexto, o bolsonarismo quer reescrever a história e sugerir que o país está sob a tirania de um "sistema" ou sob a "ameaça comunista".
Por fim, o imperialismo tem como
objetivo a colonização de territórios, de discursos, das ideias e dos sonhos.
No caso mais recente, o presidente fez da independência do Brasil uma
plataforma de ataque e de retomada do debate que vinha perdendo nas semanas
anteriores pelos escândalos da pandemia e aqueles que, há tempos, rondam sua
família. Para fazer isso, ele coloniza o debate, brutaliza as palavras e
subtrai seus sentidos, explicou o antropólogo Omar Ribeiro Thomaz
Contudo, é preciso deixar evidente: a independência do Brasil não é sinônimo de Jair Bolsonaro ou de seu governo. Isso porque as escolhas políticas e sociais do presidente não são compatíveis com a liberdade, a emancipação e a autonomia.
As mortes da pandemia não foram uma libertação, mas um aprisionamento na sequência de irresponsabilidades do governo - que negou protocolos de proteção à saúde, não respondeu e-mails de farmacêuticas, prescreveu um kit falacioso de cura, incentivou o não uso de máscaras. Presenciamos mortes sem independência. Com mais de 580 mil pessoas que se foram, o presidente fez pouco caso. Preferiu atos em portas de quarteis, deu de ombros à dor ("e dai?") e acelerou sua moto nas avenidas. Diante de tantas despedidas, o bolsonarismo recusou o luto e negou às pessoas a dignidade. As incontáveis mortes evitáveis tiveram sua vida e, portanto, sua independência, recusada.
Além disso, o governo do atual presidente determinou um sigilo de 100 anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). As Forças Armadas impuseram um segredo de 100 anos para o processo do ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello. Essas posturas em favor do segredo produzem um esquecimento ativo da história. Segredos não geram independência. Nossa liberdade real só poderá existir se pudermos verificar como agentes públicos mobilizam os recursos do Estado e sob quais critérios escolhem agir.
Aliás, sem responsabilidade não há liberdade. Um país só pode realmente desfrutar de sua soberania caso assuma as responsabilidades perante a população e as instituições. Para tal, é necessário trabalhar a favor dos direitos de cidadãs e de cidadãos - inclusive as minorias - e preservar a autonomia de instituições de Estado que fiscalizam as suas atividades. O presidente, contudo, possui a habilidade de desviar das incumbências que o cargo exige. O "sistema" lhe impede de "reinar" e, com isso, defende exclusivamente a sua própria liberdade de fazer o que lhe convém sem o ônus dos efeitos do que está sob sua alçada.
O imperialismo bolsonarista é uma prática, uma teoria e um conjunto de atitudes que governa sob o signo da força e do temor. A nossa verdadeira independência está aprisionada por esta forma de poder que coloca instituições e pessoas como reféns de uma eventual "loucura" do presidente. No dia 07 de setembro de 2021, Bolsonaro quer produzir uma imagem para mudar os rumos da política. Um ato violento, com insurreição, pode assustar a população, mas tem um limite de identificação. Ele pode produzir uma imagem de fragilidade, na qual a sua "liberdade" estaria ameaçada, o que justificaria uma mudança do temperamento social.
Se o imperialismo bolsonarista coloniza nosso futuro, precisamos nos descolonizar do presidente. E para isso, torna-se urgente adotar algumas estratégias. Primeiro, negar seu vocabulário e suas pautas. Se ele fala de fraude nas urnas, instituições autoritárias e opõe economia e saúde, precisamos tratar de vacina, dos esquemas obscuros de sua família e da convergência entre inflação e pandemia.
Em segundo lugar, vale retomar a discussão a respeito do impeachment - embora ele hoje seja improvável. Isso por que o atual presidente não tem motivos para "moderar"; sabe que se perder as eleições, enfrentará a responsabilização jurídica, política e social de seus atos na condução do país. Além disso, 2021 pode ser mero balão de ensaio para 7 de setembro de 2022, quando comemoramos 200 anos de Independência, em plena campanha presidencial. Ao que tudo indica, se Bolsonaro chegar até lá, estará disposto a torturar ainda mais a democracia em prol de sua própria independência.
Imagem: O presidente Jair Bolsonaro fala à imprensa no Palácio da Alvorada // Antonio Cruz - 2.set.2019/Agência Brasil
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