Jorge Cadima* | opinião
«A agressividade do imperialismo não terminou. Está no ADN do sistema. Vão procurar novas vias» - como o revela o acordo EUA/GB/Austrália, visando nova e ainda mais irresponsável escalada na militarização do Pacífico, mas arrastando consigo novas clivagens inter-imperialistas -. «Mas o fracasso afegão foi um momento de viragem na consciência do planeta, e do próprio povo dos EUA, sobre a decadência da super-potência capitalista. Vai agravar a sua crise.»
A retirada dos EUA/NATO do Afeganistão lançou o pandemónio entre as classes dirigentes imperialistas. As recriminações multiplicam-se. O criminoso Blair, co-responsável pela invasão de 2001 e que, com Bush e Durão Barroso, mentiu descaradamente para «justificar» outra invasão, a do Iraque, lançou-se numa diatribe sem precedentes contra o presidente dos EUA. Classificou de «imbecil» a crítica de Biden às «guerras sem fim» (Newsweek, 22.8.21). Estes inusuais ataques revelam a ferocidade da guerra intestina que assola os centros de poder nos EUA, Reino Unido e UE.
Biden não é amante da paz. A sua longa carreira política tem servido o imperialismo norte-americano. Enquanto presidente, as suas políticas face à China, Cuba, Irão, Rússia, Venezuela, Bielorrússia e outros países evidenciam que não desistiu das agressões imperialistas. Mas algo tem de mudar.
Biden enfrenta o mesmo problema que levou Trump a assinar com os talibãs o acordo de retirada agora concretizado: o custo das infindáveis guerras de ocupação dos EUA é insustentável a nível económico e político. No seu discurso de 31 de Agosto, anunciando a saída do último soldado, Biden queixou-se que 20 anos de ocupação do Afeganistão custaram aos EUA «2 triliões de dólares» [2 000 000 000 000], ou seja «300 milhões de dólares por dia ao longo de duas décadas». Omitiu que as aventuras militares no Iraque e Síria custaram outros «$2 triliões» (USAToday, 1.9.21). Sem nunca referir as baixas civis afegãs (que continuaram até ao último dia da ocupação), Biden confessou a desmoralização das suas Forças Armadas com a informação «chocante» de que «em média, 18 ex-combatentes se suicidam, por dia, na América». O povo dos EUA está cansado de guerras.
Mas os custos públicos das guerras geram enormes lucros privados. Os «2 triliões» gastos pelos EUA representam 100 vezes o PIB anual do Afeganistão em 2020 (Banco Mundial, $19 807 milhões). Mais de 85% dessa soma colossal destinou-se a «despesas militares com as tropas norte-americanas» e outros 10% adicionais com as tropas colaboracionistas afegãs (J. Sachs, Jornal de Negócios, 24.8.21). O montante referido por Biden é igual ao que, entre Outubro de 2001 e Agosto de 2021, o Congresso dos EUA entregou em encomendas às 5 maiores empresas de armamentos dos EUA: Lockheed Martin, Raytheon, General Dynamics, Boeing e Northrop Grumman (dados oficiais compilados em stephensemler.substack.com, 23.8.21). A máquina de guerra que sustenta o poderio mundial do grande capital dos EUA espalhando a morte e destruição vive à custa da «teta do Estado».
O ex-Presidente Eisenhower, no seu discurso de despedida há 60 anos, preveniu contra o poder do que chamou «complexo militar-industrial». Monstro tentacular, não apenas destrói o planeta, como suga até ao tutano as finanças públicas, obrigando os EUA a níveis insustentáveis de endividamento. Também por isto o povo dos EUA empobrece cada vez mais. Também por isto o país está a perder a corrida económica com a China. A propaganda não pode escamotear eternamente a realidade.
A agressividade do imperialismo não terminou. Está no ADN do sistema. Vão procurar novas vias. Mas o fracasso afegão foi um momento de viragem na consciência do planeta, e do próprio povo dos EUA, sobre a decadência da superpotência capitalista. Vai agravar a sua crise.
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