Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
No semanário Expresso de 1 de abril passado o Presidente da República disse isto: "É muito importante que os partidos criem condições para levar o Plano de Recuperação sem sobressaltos até 2023, o que implica garantir a aprovação de dois Orçamentos do Estado, o do próximo ano e o seguinte."
A meio de maio voltou a recomendar a aprovação do Orçamento do Estado pelos partidos à esquerda, porque se o PSD o fizesse não podia "liderar uma alternativa" ao governo.
À Antena 1, numa entrevista à jornalista Maria Flor Pedroso a 21 de maio, tentou voltar a condicionar os partidos: à esquerda "é fundamental que haja na área do poder mais diálogo entre os partidos que estão vocacionados para levar até ao fim a legislatura, para além das suas divergências", e à direita "a alternativa reforce a capacidade de o ser, de forma crescente, porque isso é bom para a democracia portuguesa".
Em julho interveio numa conferência empresarial onde declarou: o setor privado deve "prosseguir o seu empenho ou, se quiser, a sua luta, para ter protagonistas institucionais, políticos e outros, mais fortes, para ter discurso político com mais eco nos momentos de decisão popular e eleitoral", falando a seguir do descontentamento que disse ter ouvido por parte dos empresários em relação à aplicação do dinheiro da "bazuca" financeira: como se sabe, eles queixam-se de ir haver muito investimento do Estado e pouco dinheiro para eles. A direita adorou.
Nesta semana, depois de na anterior ter trocado as voltas ao governo na mudança do chefe de Estado-Maior da Armada, apareceu a dizer que "até às legislativas, para mim é uma evidência que deve haver estabilidade política governativa", que o Orçamento do Estado para 2022 deve ser aprovado.
Marcelo garantiu mesmo que tentará o acordo à esquerda que viabilize o Orçamento "até ao limite dos seus poderes", opinou que uma vez que "as autárquicas têm sempre uma leitura nacional", será natural que os partidos à esquerda do PS ponderem, de agora em diante, entre "reforçar a prazo a base de poder ou enfraquecê-la".
Por outro lado, deixou este recado à direita: a formação de uma "alternativa plausível e forte" não é tanto uma questão de "liderança", mas sim de "estratégia". E rematou: "Aquilo que às vezes provoca maior instabilidade é não haver alternativas fortes."
Todas estas citações de frases públicas do nosso Presidente da República, desde a sua reeleição em janeiro até agora (recusei, deliberadamente, citar "recados" que certos jornais e comentadores frequentemente reproduzem), servem para comprovar duas coisas que me parecem claras.
Por um lado, Marcelo pretende que o governo minoritário de António Costa cumpra a legislatura até ao fim, até às eleições de 2023, mesmo que isso implique o "sacrifício" eleitoral dos partidos à esquerda do PS.
Por outro lado, o Presidente gostaria que as coisas andassem de modo que a direita possa vencer essas legislativas.
Admito que na cabeça de Marcelo Rebelo de Sousa seja normal pensar que a um ciclo de governos do PS se deva seguir outro ciclo de governos do PSD ou de coligações à direita, para garantir alternâncias no governo. Não concordo, mas admito que o Presidente só veja essa saída de mudança de pessoal político no executivo e que a ache necessária.
O problema, porém, é que com tanto aviso e com tanta explicação, com tanta "magistratura de influência", Marcelo está a empurrar António Costa para... a crise política.
O que é que impede António Costa - com as sondagens a darem-lhe larga vantagem, com a chegada dos dinheiros europeus e com o fim da pandemia a criarem um novo ciclo político que não corresponde ao ciclo eleitoral - de aproveitar as negociações do Orçamento deste ano para inventar um pretexto que leve à queda do governo e fique sossegado mais quatro anos? Não é melhor para ele, do que agonizar dois anos, enquanto a direita recupera eleitorado? Não é fácil provocar as eleições? Não lhe basta, por exemplo, definir uma meta de défice ou outra limitação financeira qualquer, que, em nome das "contas certas", inviabilize reivindicações de investimento público do PCP e do Bloco, levando até a direita a ter de concordar com ele? O que é que Costa tinha a perder com isso?... Nada.
Quanto mais Marcelo tenta condicionar os partidos e o governo ao seu plano político, mais os empurra para a crise política e para eleições antecipadas.
*Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário