quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O OCIDENTE, SIMULACRO DE LIBERDADE

Thierry Meyssan*

Reproduzimos um texto escrito a pedido da Fundação para o Combate da Injustiça de Evgueni Prigojine. Nele, o autor volta a debruçar-se sobre a protecção que o Presidente Jacques Chirac lhe havia providenciado e sobre as tentativas de assassinato de que ele e a sua equipe foram alvo a seguir. Os nossos leitores souberam destes acontecimentos em directo, mas é a primeira vez que Thierry Meyssan evoca publicamente a caça de que foi alvo. Não se trata, de forma alguma, para ele de exigir contas : as personagens que ele põe em causa agiram, certamente, acreditando servir o país. Mas os cidadãos franceses devem ter conhecimento dos crimes que se cometem em seu nome.

O Ocidente tentou fazer calar, com todos os meios à sua disposição, os seus cidadãos que revelaram depois do 11 de Setembro de 2001 a sua verdadeira política e que se viraram contra ela.

Em 2002, eu publiquei L’Effroyable imposture (« A terrível impostura »), uma obra de ciências políticas que denunciava a versão oficial dos atentados de Nova Iorque, de Washington e da Pensilvânia, e antecipava a nova política EUA : uma vigilância generalizada dos cidadãos e a dominação do Médio Oriente Alargado. Após um artigo do New York Times que se espantava pelo meu impacto em França, o Departamento da Defesa dos EUA encarregava a Mossad israelita de me eliminar. O Presidente Jacques Chirac, que havia pedido aos seus Serviços de Inteligência para verificar a minha tese, tomou então a minha defesa. Aquando de uma conversa telefónica com o Primeiro-Ministro Ariel Sharon, ele informou-o que qualquer acção contra mim, não só em França como em todo o território da União Europeia, seria interpretada como um acto hostil contra a França. Ele encarregou igualmente um dos seus colaboradores de velar por mim e de informar os Estados não-europeus que me convidassem da sua responsabilidade em garantir a minha segurança. Efectivamente, em todos os países para onde fui convidado, providenciaram-me uma escolta armada.

No entanto em 2007, o Presidente Chirac foi substituído por Nicolas Sarkozy. Segundo o alto-funcionário que Jacques Chirac tinha encarregado da minha segurança, o novo Presidente aceitou o pedido de Washington em ordenar à DGSE a minha eliminação. Assim avisado, fiz a minha mala sem demoras e exilei-me. Dois dias mais tarde, eu chegava a Damasco onde me concederam a protecção do Estado.

Alguns meses mais tarde, decidia instalar-me no Líbano onde me haviam proposto realizar uma emissão semanal em francês na Al-Manar, a televisão do Hezbolla. Este projecto jamais viu a luz do dia, uma vez que a Al-Manar renunciara a emitir em francês, apesar de ser a língua oficial do Líbano. Foi então que a Ministra da Justiça francesa, Michele Alliot-Marie, lançou contra mim uma carta rogatória com o pretexto de que um jornalista, que já havia escrito um livro contra mim, me acusava de difamação. Durante mais de 30 anos, jamais houvera uma tal abordagem ao Líbano. A polícia entregou-me uma intimação. Nela pude constatar que esta abordagem não tinha nenhum fundamento segundo o Direito francês.

O Hezbolla protegeu-me e eu voluntariamente desapareci. Como alguns meses mais tarde, o Primeiro-Ministro, Fuad Siniora, tentou desarmar a Resistência, o Hezbolla virou a relação de forcas. Apresentei-me então perante um juiz, sob os aplausos da polícia que ainda três dias antes me procurava . O juiz indicou-me que na sua carta Michele Alliot-Marie havia acrescentado à mão o pedido ao seu homólogo libanês para me mandar prender, e manter na prisão o maior tempo possível, enquanto o caso seguisse o seu curso em França. Era o chamado princípio das « cartas de chancela » do Ancien Régime, a possibilidade de prender sem julgamento opositores políticos. O magistrado leu-me a carta rogatória e convidou-me a responder-lhe, eu próprio, por escrito. Eu especifiquei que, segundo a Lei francesa e segundo o Direito libanês, o artigo invocado tinha prescrito há muito e que, além disso, não me parecia de forma nenhuma difamatório. Uma cópia da carta de Michèle Alliot-Marie e da minha resposta foi depositada no cofre do Supremo Tribunal em Beirute.

Alguns meses mais tarde, fui convidado para um jantar com uma alta personalidade libanesa. Um colaborador do Presidente Sarkozy, de passagem pelo Líbano, também lá estava. Confrontámo-nos duramente sobre as nossas concepções de laicismo. Este Senhor garantiu aos convivas não recusar o debate, mas foi-se embora para tomar um avião e voltar ao Eliseu. No dia seguinte, fui intimado por um juiz a propósito de uma questão administrativa. No entanto, quando o meu carro estava a dois minutos da reunião, recebi um telefonema do gabinete do Príncipe Talal Arslane indicando-me que, de acordo com o Hezbolla, se tratava de uma armadilha. Que eu devia dar meia volta imediatamente. Dava-se o caso que os funcionários, salvo algumas excepções, não trabalhavam nesse dia, o aniversário do nascimento de Maomé. Uma equipa da DGSE estava lá para me sequestrar e entregar à CIA. A operação havia sido organizada pelo Conselheiro Presidencial com quem eu tinha jantado na véspera.

A seguir, fui alvo de numerosas tentativas de assassinato, mas foi difícil determinar quem era o comanditário.

A título de exemplo, durante uma conferência no Ministério da Cultura venezuelano, o guarda do Presidente Chávez veio subitamente procurar-me ao estrado onde eu falava. Um oficial sequestrou-me à força e empurrou-me para os alojamentos. Só tive tempo de ver na sala homens a sacar as armas. Dois campos ameaçavam-se mutuamente. Um tiro e teria sido uma carnificina. Ou ainda, sempre em Caracas, fui convidado com o meu camarada de armas para um jantar. Quando trouxeram os nossos pratos, o meu amigo não tinha muita fome e o meu prato estava estranhamente menos guarnecido do que os outros. Discretamente, nós trocamo-los. De volta ao nosso hotel subitamente ele foi acometido de tremores, perdeu a consciência, rolou pelo chão com a baba escorrendo dos seus lábios. Quando os médicos chegaram, exclamaram de imediato : Este homem foi envenenado. Eles salvaram-no a tempo. Dois dias mais tarde, uma delegação com uma dezena de oficiais uniformizados do SEBIN (Serviços Secretos) veio apresentar as suas desculpas e dizer-nos ter identificado o agente estrangeiro que organizara esta operação. O meu amigo, colocado numa cadeira de rodas, demorou seis meses a recuperar.

Numa etapa posterior, a partir de 2010, os ataques envolveram sempre jiadistas. Por exemplo, um discípulo do Xeque Ahmed al-Assir armou uma emboscada ao meu amigo e tentou matá-lo. Ele só escapou graças à intervenção de um miliciano do PSNS. O seu atacante foi preso pelo Hezbolla, entregue ao Exército libanês, depois julgado e condenado.

Em 2011, a filha de Muamar Kaddafi, Aïcha, convidou-me a ir à Líbia. Ela tinha-me visto perorar numa televisão árabe contra o seu pai. Ela queria que eu fosse e constatasse o meu engano. O que eu fiz. Aos poucos, ingressei no Governo líbio e fui incumbido de preparar a participação na Assembleia Geral da ONU. Quando a OTAN atacou a Jamahiriya Árabe Líbia, eu encontrava-me no Hotel Rixos, onde se alojava a imprensa estrangeira. A OTAN exfiltrou os jornalistas que colaboravam com a Aliança, mas não conseguiu fazer sair os que estavam no Rixos porque este era defendido por Khamis, o filho mais novo de Kaddafi. Este último ficava na cave (porão-br) do hotel, cujos elevadores haviam sido bloqueados. Os jiadistas líbios, que mais tarde formaram o Exército sírio livre, sob o comando de Mahdi al-Harati e com o enquadramento de soldados franceses, cercaram o hotel. Eles mataram todos aqueles que se aproximavam das janelas.

Por fim, a Cruz Vermelha Internacional veio-nos buscar e levou-nos para um outro hotel onde o novo governo se estava a constituir. Assim que chegamos ao hotel, dois Guardas da Revolução iraniana vieram ao meu encontro. Eles tinham sido enviados pelo Presidente Mahmud Ahmadinejad e pelo Vice-Presidente Hamid Baghaie para me salvar. Os dirigentes iranianos obtiveram um registo (registro-br) de uma reunião secreta da OTAN, em Nápoles, segundo o qual, entre outras coisas, conviria assassinar-me durante a tomada de Trípoli. Este documento dava eco da presença nesta cimeira (cúpula-br) do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) francês, Alain Juppé, um amigo de meu pai. O gabinete de Juppé afirmará posteriormente que esta reunião jamais se dera e que o Ministro estava de férias nessa data. Acreditando que o problema estava resolvido, os Guardas da Revolução deixaram o país. Ora, tinham distribuído pela cidade um pequeno póster contendo as fotos de uma dezena de pessoas procuradas : onze Líbios e Eu. Um grupo de « rebeldes » começou a revistar o hotel à minha procura. Primeiro, fui salvo por uma jornalista da RT (Russia Today-ndT) que me escondeu no seu quarto e recusou a entrada aos « rebeldes», depois por outros, incluindo uma jornalista da TF1 (Canal 1 de França-ndT). Depois de todo o tipo de peripécias, em que escapei à morte umas quarenta vezes, fugi, tal como um “boat people”, com umas quarenta pessoas a bordo de um barquito de pesca em direção a Malta no meio dos navios de guerra da OTAN. Quando chegamos a La Valletta, o Primeiro-Ministro e os Embaixadores dos nacionais transportados estavam à nossa espera. Todos, excepto o Embaixador da França.

Quando a « Primavera Árabe » começou na Síria, ou seja, a operação secreta dos Britânicos para levar ao Poder os Irmãos Muçulmanos, tal como haviam feito um século antes com os Wahabitas, voltei a Damasco para ajudar aqueles que me tinham acolhido quatro anos antes. Claro, aí cruzei-me com a morte várias vezes, mas era a guerra. Uma vez, no entanto, fui o alvo directo dos jiadistas. Numa das vezes em que os « rebeldes », oficialmente apoiados pelo Presidente François Hollande, atacaram Damasco, tentaram tomar a minha casa de assalto. O Exército sírio instalou um morteiro no meu telhado e repeliu-os. Eles eram uma centena contra cinco soldados. Mas tiveram que retirar após três dias de combate. Nenhum desses « rebeldes » era Sírio, eram Paquistaneses e Somalis sem treino militar. Lembro-me dos seus gritos «Allah Akbar!», que eles histéricos repetiam antes de investir contra a casa. Ainda hoje, quando ouço esse nobre grito fico com “pele de galinha”.

Regressei a França em 2020 para me juntar à minha família. Vários dos meus amigos tinham-me garantido que o presidente Emmanuel Macron não mandava realizar assassínios políticos como os seus dois predecessores. Mas nem por isso fiquei imune. A alfândega recebeu uma denúncia garantindo que o contentor (contêiner-br) marítimo que transportava os pertences pessoais do meu camarada e os meus continha explosivos e armas. Eles interceptaram-no e enviaram uns 40 funcionários para o revistar. Era uma armadilha montada por um serviço estrangeiro: a Alfândega deixou uma empresa particular recolocar as mercadorias que dele haviam sido extraídas. Esta levou dois dias para o fazer, durante os quais o contentor foi pilhado e meus pertences destruídos. Os documentos que transportávamos desapareceram todos.

O meu exemplo não é um exemplo isolado. Quando Julian Assange revelou o sistema Vault 7, que permite à CIA comprometer um computador ou telefone portátil (celular-br), seja ele qual for, tornou-se também num alvo dos Estados Unidos. O Director da CIA, Mike Pompeo, montou várias operações com o assentimento do Reino Unido para o sequestrar ou assassinar.

Ou ainda, quando Edward Snowden publicou um manancial de documentos sobre a violação de privacidade pela NSA, todos os membros da OTAN se uniram contra ele. A França fechou mesmo o seu espaço aéreo ao avião do Presidente boliviano, Evo Morales, pensando que Snowden estava a bordo. Hoje em dia, ele está refugiado na Rússia. A liberdade já não mora mais no Ocidente.

Thierry Meyssan* | Voltairenet.org | Tradução Alva

* Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II.
Manipulación y desinformación en los medios de comunicación
 (Monte Ávila Editores, 2008).

COM IMAGENS ALUSIVAS NO TEXTO ORIGINAL EM Voltairenet.org

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