quinta-feira, 22 de julho de 2021

Portugal | As superestrelas da Justiça

Rafael Barbosa* | Jornal de Notícias | opinião

Recordemos o que disse o juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Investigação Criminal, no despacho sobre a acusação da Operação Marquês e, portanto, sobre a forma como avaliou o trabalho do Ministério Público, e em particular o procurador Rosário Teixeira (e de forma indireta o seu colega juiz Carlos Alexandre): há considerações de "pouco rigor e consistência"; diz-se que a acusação é "incoerente em termos cronológicos e lógicos"; que há crimes sem "qualquer elemento de prova"; que há uma "total incoerência"; e, finalmente, que os procuradores se basearam em "especulação e fantasia".

Rosário Teixeira é igualmente truculento na resposta, vertida no recurso agora entregue ao Tribunal da Relação de Lisboa: acusa o juiz de usurpar as funções do Ministério Público; de criar uma nova narrativa, que distorce os factos e torna impossível fazer prova dos crimes em julgamento (por exemplo, ao afirmar que José Sócrates teria sido corrompido com dinheiro que já era seu); e, finalmente, cereja no topo do bolo, destaca a "ineptidão da pronúncia". No fundo, responde na mesma moeda, acusando Ivo Rosa de incompetência e de, também ele, no seu despacho, ter mergulhado na especulação e na fantasia.

Este nível de acrimónia é relativamente usual, por exemplo, no debate político. Não deveria ser, mas é. E já todos o aceitamos como natural. No entanto, no âmbito de um processo judicial com o alcance deste, é surpreendente... e assustador. E inaceitável. Juízes, procuradores e advogados dos arguidos (sempre prontos para a fanfarronice) não sairão bem desta história. Ou seja, a Justiça não sairá bem desta história. O Estado de direito não sairá bem desta história. É assim que se põe em causa a democracia. Já não bastava termos um ex-primeiro-ministro a contas com suspeitas de corrupção, temos também ajustes de contas entre as superestrelas do processo judicial. É tudo demasiado mau.

*Diretor-adjunto

Pode um país ficar refém de interesses privados?

A angústia dos trabalhadores da Groundforce e a incerteza relativamente ao futuro resultam da falta de vontade política de nacionalizar uma empresa essencial a um sector estratégico para o País.

Já vai longa a novela da maior empresa de handling em Portugal, de quem Alfredo Casimiro se tornou accionista maioritário em 2012, tendo recebido 7,6 milhões de euros em comissões de gestão antes de pagar 3,7 milhões de euros pela maioria de capital, em 2018. Mas, se o negócio foi bom para o fundador da transportadora Urbanos, o mesmo não podem afirmar os trabalhadores da Serviços Portugueses de Handling (SPdH)/Groundforce, cuja actividade é fundamental para o funcionamento da TAP e, consequentemente, para o desenvolvimento do País. 

No espaço de um ano, a empresa já despediu mais de mil trabalhadores que prestavam serviço através de contratos a termo ou empresas de trabalho temporário. O quotidiano dos que ficaram tem sido preenchido com atrasos no pagamento dos salários, apesar do aumento da actividade registado com o regresso da actividade aeroportuária. De forma unilateral, a empresa decidiu pagar o salário de Junho em 65% no devido tempo e o restante até 15 de Julho. Este fim-de-semana, os trabalhadores disseram basta aos vários incumprimentos e atropelos aos seus direitos.

A greve de dois dias ocupou os noticiários, mais com imagens referentes aos constrangimentos vividos pelos passageiros, do que com a justeza das reivindicações que levaram à paragem da actividade. Entretanto, o representante dos patrões do turismo, sector alicerçado por excelência na política de baixos salários e na precariedade, já veio dizer que esta greve «não podia ter acontecido» e que a marcada para o final do mês «não pode acontecer», independentemente da situação dos trabalhadores da Groundforce. 

Mais do que condicionar o direito à greve dos que vivem do seu salário, importa resolver os problemas de uma empresa cuja actividade, reconhece Francisco Calheiros, é fundamental para o sector do turismo, para além da ligação às comunidades portuguesas e da dinamização de outros sectores. Sendo estratégica para a economia nacional, apesar de agora o seu destino andar pelas mãos do Montepio, cabe ao Governo tomar a opção de a nacionalizar. Afinal de contas, porque há-de o País estar refém de interesses privados em matérias fundamentais para o seu desenvolvimento e soberania? 

Ouvido esta manhã no Parlamento, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, argumentou que o Governo não avançou com a nacionalização da Groundforce para evitar «o risco de litigância» e eventual indemnização. Mas a análise deve partir sempre de outros pressupostos, tendo em conta as garantias para os trabalhadores e para o País. Veja-se o exemplo da ANA Aeroportos, com centenas de milhões de euros de lucros anuais, que em vez de servirem a economia nacional vão para os cofres dos franceses da Vinci. Não faz sentido, pois não?

AbrilAbril | editorial | Imagem: Lusa

Qual é o jogo de xadrez auto-descrito da Rússia no Afeganistão?

# Publicado em português do Brasil

Andrew Korybko * | OneWorld

O jogo de "xadrez" da Rússia no Afeganistão envolve a promoção de uma solução política o mais rápido possível, contando com o Taleban para proteger os interesses antiterroristas regionais do país e acomodando os interesses legítimos dos EUA e da Índia (especialmente aqueles de natureza econômica e financeira) para que esses dois atores extrarregionais façam a transição para se tornarem partes interessadas responsáveis ​​no Afeganistão pós-retirada.

“Xadrez” russo

O enviado presidencial especial da Rússia ao Afeganistão, Zamir Kabulov, descreveu a abordagem de seu país ao Afeganistão como "xadrez", ao falar em uma conferência online organizada pelo prestigioso Valdai Club. No evento intitulado “Afeganistão após a retirada dos EUA: um vácuo de segurança para sempre?”, Que pode ser assistido na íntegra aqui ou em parte aqui , o diplomata que também atua como Diretor do Segundo Departamento para a Ásia do Ministério das Relações Exteriores da Rússia teve bastante muito a dizer. O artigo com hiperlink do think tank da frase anterior relatou os seguintes pontos:

Pontos do Valdai Club

* A Rússia fala com os dois lados do conflito sem se impor a nenhum deles

* Os EUA e seus aliados ainda têm obrigações econômicas e financeiras com o Afeganistão

* Membros antigos do Taleban estão cansados ​​da guerra, enquanto os mais jovens estão mais radicalizados para continuar lutando

* O Talibã não tem interesse em ameaçar as Repúblicas da Ásia Central (CARs)

* Grupos terroristas de pequeno e médio porte podem se unir sob a bandeira do ISIS

* Mas o Taleban é seu inimigo jurado, provavelmente irá combatê-los e, portanto, será um fator positivo para a segurança russa

NOVA GUERRA COLONIAL NA NICARÁGUA

# Publicado em português do Brasil

Salvador Luna* | Geoestrategy, em Katehon

Os Estados Unidos não se acostumam com a ideia de que a Nicarágua com o governo de Daniel Ortega está se tornando um importante aliado da China e da Rússia na América Central e está resistindo ao novo colonialismo

O governo dos Estados Unidos, junto com seus aliados ocidentais, a imprensa, a oposição política na Nicarágua e organizações internacionais regionais, lançou uma campanha na mídia contra o presidente sandinista Daniel Ortega. A agressão imperialista intensificou-se precisamente neste ano, quando estão em jogo as eleições presidenciais do país.

Uma nova guerra colonial foi desencadeada contra a Nicarágua: sem motivo, o império ocidental declarou unilateralmente a Nicarágua um país que representa uma ameaça à sua segurança nacional - especialmente se o líder da revolução sandinista, Ortega, permanecer no poder. Ao mesmo tempo, a mídia ocidental, que não informa, mas desinforma, repete as mesmas mentiras em uníssono, usa truques, tentando manipular a opinião pública do povo.

O presidente é alvo de uma complexa campanha de mídia organizada internacionalmente. Assim, na mídia pró-ocidental, ele é acusado de ditadura e do desejo de perpetuar seu poder por todos os meios possíveis - repressão política, violação dos direitos humanos, ataques à liberdade e aos direitos políticos. Os meios de comunicação tradicionais aderiram a esta nova guerra colonial, que visa criar condições desfavoráveis ​​para o atual governo e provocar a sua derrota nas eleições presidenciais de 7 de novembro.

A pressão econômica também está sendo exercida para dar um golpe suave - com a ajuda de sanções econômicas impostas unilateralmente pelos Estados Unidos por meio do Departamento do Tesouro. As sanções foram impostas a pessoas próximas a Ortega, entre elas - Camila Ortega Murillo, filha do presidente; Leonardo Ovidio Reyes, presidente do Banco Central; MP Edwin Castro Rivera, Operador Político na Assembleia Nacional; Julio Rodriguez Balladares, General do Exército. Essas medidas bloqueiam e congelam os bens de funcionários nos Estados Unidos - além disso, são uma resposta às ações do governo da Nicarágua, que já fez várias prisões de representantes da oposição. Claro, essas ações são uma violação grave do princípio de não ingerência e autodeterminação dos povos. Sanções atuando em detrimento da economia nacional, objetivou o estrangulamento econômico do povo nicaraguense para acirrar o calor contra o governo sandinista. A Organização dos Estados Americanos (OEA) e seu presidente, Luis Almagro, também estão fazendo um excelente trabalho contra Ortega, pois declararam sua política de "ditadura" e estão incentivando a ação e a ação diplomática de outros Estados, instigando a favor do continente. Governos ocidentais para apertar os parafusos e aumentar a pressão sobre os sandinistas.

Os acontecimentos provocatórios verificados em Cuba

– Díaz-Canel ao povo: "A ordem de combate está dada, os revolucionários às ruas"

– "Querem sufocar-nos para acabar com a Revolução; se querem preocupar-se com o povo, acabem com o bloqueio", disse o presidente cubano.

Resumen Latinoamericano

O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, rejeitou este domingo as campanhas de desprestígio dos média hegemónicos, no decurso da pandemia, e o recrudescimento do ilegal bloqueio económico, financeiro e comercial que os Estados Unidos (EUA) impõem à nação caribenha.

"De forma subtil, covarde e oportunista, os que sempre apoiaram o bloqueio e se valeram de mercenários e lacaios do império, aparecem com doutrinas humanitárias para fortalecer a ideia de que o governo cubano não é capaz de sair desta situação; se querem preocupar-se com o povo de Cuba, acabem com o bloqueio (...) sabemos que não o fazem porque não têm valor", disse o presidente cubano.

O chefe de Estado afirmou que as pretensões de intensificar o bloqueio se devem também ao facto de haver mais carências e, por isso, pretendem gerar uma implosão interna, " "querem asfixiar-nos para acabar com a Revolução e, quando as pessoas estão numa situação dramática, vemos o que ocorreu em San Antonio de los Baños", acrescentou.

Seguindo os grupos de manipuladores que desprestigiam o Governo, que continuam com a campanha do ilegal bloqueio, o presidente destacou que diante das campanhas de difamação, os revolucionários devem sair às ruas em defesa da Pátria.

"Percorramos a cidade para mostrar que as ruas são dos revolucionários; sabemos que há outras zonas onde os movimentos se concentraram, estou a dar esta informação para ratificar que as ruas são da Revolução. Que o partido e o Governo tenham toda a disponibilidade para debater e ajudar", referiu o chefe de Estado.

O presidente apelou a toda a base da revolução para continuar a ocupar as ruas e enfrentar, com dignidade, as provocações de manipuladores que promovem protestos, mas apoiam as ilegais sanções – "sabemos que há massas revolucionárias a enfrentar grupos antirrevolucionários; não vamos admitir que nenhum mercenário e vendido ao império americano vá causar desestabilização no nosso povo", acrescentou.

Cuba e Estados Unidos

# Publicado em português do Brasil

Breve história da cobiça (e acossos) à ilha rebelde, na mira dos EUA desde 1819. Quais discursos, ao longo da história, Washington usou para atacá-la. Como articulou o bloqueio econômico. Por que nunca desistirá. A improvável “saída chinesa”

José Luís Fiori* | Outras Palavras

Foi logo depois da conquista da Flórida, em 1819. Os Estados Unidos só tinham 40 anos de idade, e seu território não ia além do Rio Mississipi. James Monroe era o presidente dos Estados Unidos, mas foi seu Secretário de Estado, John Quincy Adams, quem falou, pela primeira vez, da atração norte-americana por Cuba. Quando disse, numa reunião ministerial do governo Monroe, que “existem leis na vida política que são iguais às da física gravitacional: e por isto, se uma maçã for cortada de sua árvore nativa – pela tempestade – não terá outra escolha senão cair no chão; da mesma forma que Cuba, quando se separar da Espanha, não terá outra alternativa senão gravitar na direção da União Norte Americana. E por esta mesma lei da natureza, os americanos não poderão afastá-la do seu peito” (1). Naquele momento, o desejo de Quincy Adams ainda não era conquistar a ilha, era preservá-la, e por isso deu ordem ao seu embaixador em Madrid que comunicasse ao governo espanhol a “repugnância americana à qualquer tipo de transferência de Cuba para as mãos de outra Potência”.

Em 1819, a capacidade americana de projetar seu poder para fora de suas fronteiras nacionais ainda era muito pequena, mas a declaração de Quincy Adams explicitou um desejo e antecipou um projeto, que se realizaria plenamente, a partir de 1890. Logo no início da década, o almirante Alfred Thayer Mahan publicou um livro clássico (2), que exerceu imensa influencia sobre a elite dirigente norte-americana. Sobre a importância do poder naval, e das ilhas do Caribe e do Pacífico para o controle dos oceanos e a expansão das grandes potências. Logo em seguida, os Estados Unidos anexaram o Havaí, em 1897, e venceram a Guerra Hispano-Americana, em 1898, conquistando Cuba, Filipinas e algumas outras ilhas caribenhas, onde estabeleceram um sistema de “protetorados”, como forma de governo compartido destes territórios. Logo depois da sua vitória contra a Espanha, o presidente William McKinley repetiu, frente ao Congresso Americano, em dezembro de 1898, a velha tese de Quincy Adams: “a nova Cuba precisa estar ligada a nós americanos, por laços de particular intimidade e força, para assegurar de forma duradoura, o seu bem estar” (3). E foi isto que aconteceu: os cubanos aprovaram sua primeira Constituição independente, em 1902, mas tiveram que anexar ao seu texto uma lei aprovada pelo Congresso Americano e imposta aos cubanos, em 1901 – The Platt Amendement – que definia os limites e as condições de exercício da independência dos islenhos. Os Estados Unidos mantinham sob seu controle a política externa e a política econômica de Cuba, e ficava assegurado o direito de intervenção dos norte-americanos na ilha, em “caso de ameaça à vida, a propriedade e à liberdade individual dos cubanos” (4). Em 1934, a Emenda Platt foi abolida e substituída por um novo tratado entre os dois países, que assegurou o controle americano da Base Naval de Guantanamo, e garantiu a tutela dos Estados Unidos sobre o longo período de poder de Fulgência Batista, que assumiu o governo de Cuba, em 1933, a bordo de um cruzador norte-americano, e depois governou Cuba, de forma direta ou indireta, até 1959.

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