Artur Queiroz*, Luanda
Eu sou Siné e vou explicar porquê. Maurice Sinet está entre os maiores cartunistas do mundo e foi despedido do jornal “Charlie Hebdo” por ter feito uma “charge” do filho do antigo presidente Sarkozy, que tinha anunciado a sua conversão ao judaísmo para casar com uma jovem judia, podre de rica. O comentário humorístico foi este: “o rapaz vai longe!”.
Associada esta expressão à conversão, os donos do jornal acharam que o trabalho de Siné era anti-semita e exigiram que se retractasse. Ele respondeu: nem que me castrem! E foi despedido. Evidentemente que o Presidente Hollande, na época apenas dirigente do Partido Socialista, não teve a mínima reacção. Merkel, Cameron, ou Obama também se remeteram ao silêncio. Tudo em nome da liberdade de expressão.
O 25 de Abril de 1974 foi um acontecimento marcante em Angola e todas as antigas colónias portuguesas. O cartoonista da “Revolução dos Cravos” foi Siné. Fica para a História o seu cartoon que representa um revolucionário a fugir com a parte vermelha da bandeira portuguesa, empunhada por um fascista. Genial!
A “Mondar Edições” editou em cima do 25 de Abril um livro com desenhos e charges de Siné intitulado “CIA”. Mal Otelo Saraiva de Carvalho e seus Capitães de Abril deram o fascismo como derrotado, Siné voou de Paris para Lisboa e desenhou a revolução na rua. Fez “bonecos” para o Movimento das Forças Armadas e participou na bebedeira da liberdade.
O livro desapareceu até dos alfarrabistas. Mas continua ao dispor dos interessados, um número do jornal “Expresso” onde é publicada uma entrevista a Siné. Cito de memória uma das suas afirmações: “ponham-se a pau que a CIA já deve estar a infiltrar-se na revolução”.
Espero não provocar nenhum mal-entendido, mas a “infiltração” foi de peso: Mário Soares e Frank Carlucci. Os angolanos sofreram muito por não ter sido evitada a operação. Spínola, Nixon e Mobutu encontraram-se uns meses depois na Ilha Terceira dos Açores e na Ilha do Sal (Cabo Verde) e decidiram eliminar o MPLA do processo de transição para a independência. Mário Soares estava por trás dos arbustos.
Por tudo isto, eu sou Siné. Mas fico preocupado com o silêncio que se faz à volta da demissão do cartoonista da direcção do “Charlie Hebdo”, por ter associado a conversão ao judaísmo do rebento de Sarkozy, a uma vida de sucessos. A liberdade de expressão do cartoonista levou imediatamente uma paulada. O mesmo patrão que o despediu acha que o jornal pode pôr semanalmente muita lenha na fogueira da islamofobia, em nome da liberdade de imprensa. Não vou especular sobre o que sucederia se o “Charlie Hebdo” publicasse todas as semanas material aparentado com anti-semitismo.
Siné sabe o que lhe aconteceu por ter dito que o filho de Sarkozy, convertido ao judaísmo, havia de ir longe. Nunca saberemos se um “comando” terrorista algum dia invadisse o jornal e matasse Siné mais uns quantos companheiros. O que sei, e isso basta-me, é que em nome da liberdade de imprensa, o jornal nunca publicaria uma única capa gozando com Abraão, a Torá e os Filhos de Israel. Ainda bem. Je suis Siné!
*No dia 7 de Janeiro de
* Jornalista
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