Há mais de 330 mil crianças em risco de pobreza, segundo o relatório «Portugal, Balanço Social 2021», que mostra também que 11,2% das pessoas empregadas em Portugal são pobres.
De acordo com o relatório, apresentado esta terça-feira, e da autoria dos investigadores Susana Peralta, Bruno Carvalho e Mariana Esteves, da Nova School of Business & Economics, uma das faculdades da Universidade Nova de Lisboa, «as crianças [0 aos 17 anos] são um dos grupos da população mais vulnerável a situações de pobreza e exclusão social».
«A taxa de risco de pobreza entre as crianças aumentou entre 2018 e 2019 (de 18,5% para 19,1%). Isto significa que há, em 2019, mais de 330 mil menores pobres em Portugal», lê-se no relatório.
Por outro lado, a pobreza afetava 25,5% das famílias monoparentais, ou seja, cerca de um quarto de todos os agregados familiares, tendo esse valor diminuído 8,4 pontos percentuais em relação a 2018, apesar de estas famílias continuarem a ser o tipo de agregado com maior taxa de risco de pobreza.
No que diz respeito a carências habitacionais e alimentares, e já em relação a 2020, «mais de uma em cada quatro crianças vivia em casas com telhado, paredes, janelas e chão permeáveis à água ou apodrecidos», enquanto 11% das habitações não tinha aquecimento adequado.
«A incapacidade de comer, pelo menos de dois em dois dias, uma refeição de carne, peixe (ou equivalente vegetariano), manteve-se estável nos últimos três anos, com uma ligeira melhoria em 2020 (de 1,9% para 1,8%)», referem os investigadores.
Já no que diz respeito à escolaridade, o documento salienta o «papel importante» que esta tem na mitigação da transmissão intergeracional da pobreza, salientando que nos anos anteriores à escolaridade obrigatória, o rendimento das famílias está relacionado com a frequência da creche e do ensino pré-escolar e revelando que «quase sete em cada 10 crianças pobres não tem acesso a creche e, entre os 4 e os 7 anos, as mais pobres são as que menos frequentam o pré-escolar».
«No ensino obrigatório, são estas crianças que tiveram piores resultados do que as de meios socioeconómicos menos desfavorecidos, no Estudo Diagnóstico para os alunos do 3.º ano, realizado pelo Instituto de Avaliação Educativa em janeiro de 2021, para apurar os atrasos na aquisição de competências em virtude da crise pandémica», destaca.
As crianças são também uma das faces mais preocupantes quando se fala da taxa de risco da pobreza persistente, ou seja, «percentagem de pessoas que está em risco de pobreza num ano e também o esteve na maioria dos três anos anteriores», já que em 2019 essa taxa era de 9,8%, mas o valor entre as crianças chegava aos 30,3%.
Quer isto dizer que praticamente três crianças em cada 10 estiveram numa situação de pobreza em pelo menos um dos anos do período em análise, ou seja, entre 2016 e 2019, valor que baixa para 10,5% se só for considerado um ano, ainda que 8,9% das crianças tenham sido pobres nos quatro anos.
Ter emprego não impede de ser pobre
Estar empregado não é suficiente para afastar uma pessoa da situação de pobreza. Em 2020, mais de uma em cada dez pessoas (11,2%) empregadas em Portugal eram pobres, uma subida em relação aos 9,6% registados no ano anterior. A crise sanitária também aumentou em 2,2 pontos percentuais (p.p.) a taxa de risco de pobreza, que passou para 18,4% em 2020, atingindo particularmente as mulheres, pessoas acima dos 65 anos e famílias monoparentais, revela o relatório anual. Em 2020 havia mais 228 mil pessoas em situação de pobreza.
Mariana Esteves, uma das investigadoras autoras do relatório, apontou, ao site Eco, a «precariedade laboral» e os «salários baixos» que não conseguem suportar «custos de vida elevados» como causas para esta situação. Agravadas pela pandemia que tornou ainda mais evidentes as desigualdades sociais.
Por seu lado, a investigadora Susana Peralta, na apresentação do relatório anual, salientou que as políticas públicas desenhadas pelo Governo durante o início da pandemia «não foram suficientes» para evitar este aumento de pessoas em situação de pobreza.
«É muita gente que vai parar à pobreza. Obviamente que os apoios sociais não foram capazes de neutralizar o suficiente os efeitos da crise», referiu. «Temos políticas sociais que deixam franjas da população desprotegidas. A nossa manta social está um bocado esburacada.»
É preciso taxar o capital e ter políticas que promovam a igualdade
Já em Março deste ano, Susana Peralta tinha sublinhado ao AbrilAbril outro dado importante: «os sectores mais afectados pela crise são aqueles que as pessoas não puderam fazer a migração para o teletrabalho e têm comparativamente os salários mais baixos».
Um resultado que confere com outro dado presente nas conclusões do relatório: «estudos não representativos mostram que as pessoas que se identificam com os mais pobres são as que reportam maior perda de rendimento».
É essa reforma sempre adiada de taxar devidamente o capital, que o professor auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais João Rodrigues afirmou, também nessa data, ao AbrilAbril, ser cada vez mais necessária. Para isso é preciso conhecimento social e acção política. «O problema da esquerda é que conhece razoavelmente a pobreza, mas muito mal a riqueza para saber como são as formas mais eficientes de a taxar», ironiza. O investigador do CES sublinha a necessidade de uma política justa que possa minimizar os efeitos da crise pandémica.
«Vivemos numa sociedade brutalmente desigual, em que há ricos a aforrar e a ver os seus activos valorizarem à boleia da política monetária europeia, que não tem tido direcção orçamental no sentido de aumentar o investimento público e, no fundo, acaba sobretudo por valorizar os activos financeiros. Tudo isto fazendo com que as desigualdades de riqueza estejam a crescer», afirmou, juntando que para além de tudo isso, os sucessivos governos têm sido alérgicos a taxar a riqueza e o capital. «O PCP e o BE insistem e bem que é necessário o englobamento de todos os rendimentos, em pé de igualdade, para efeitos de IRS. Para além disso, é preciso pensar na criação de outras formas de impostos que possam onerar aqueles que têm muito património», defendeu o economista de Coimbra.
AbrilAbril, com Lusa
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