Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião
Começaram os debates, num ponto em que as sondagens mostram que é possível a vitória do PS (mais provável) ou a vitória do PSD, mas em que a maioria absoluta para qualquer um dos dois partidos é praticamente impossível. Assim sendo, a previsibilidade de que fala Marcelo Rebelo de Sousa está ligada à geometria da maioria a formar no parlamento.
O povo já sabe que António Costa,
vencendo, não quer acordos que não cubram a legislatura inteira, embora os
tenha recusado em 2019 propostos pelo Bloco de Esquerda, e sabe também que
recusa dizer se apoiará um governo do PSD, em caso de vitória de Rui Rio,
porque nos anuncia que deixa a política se perder as próximas eleições. A
questão é que, quando olhamos para
António Costa tem um problema difícil de resolver mas já deixou alinhavado o seu futuro ao admitir que é difícil, com ele e com os atuais líderes do PCP e do BE, refazer a geringonça. Ou lhe dão a maioria absoluta ou ele terá de ceder o lugar a Pedro Nuno Santos (preferido dos militantes socialistas), mais bem colocado para fazer uma geringonça de segunda geração. O eleitorado terá ido ao engano, numa campanha que o PS quer centrada na escolha entre Costa e Rio, e terá de ser o Presidente da República a travar esta deriva parlamentarista. Para os que gostam de lembrar que o povo elege deputados e não um governo, podendo o parlamento decidir a seu belo prazer quem governa o país, convém chamar a atenção para o facto de vivermos num regime semipresidencialista.
Se há, portanto, uma maioria de portugueses votantes satisfeitos, ou até entusiasmados, com os últimos seis anos de geringonça, de papel passado nos primeiros quatros anos, e à la carte nos últimos dois, convém que façam as contas e percebam qual é a melhor maneira de repetir, ou até reforçar, o que aconteceu entre 2015 e 2019. O voto útil na geringonça não é no PS, é no PCP e no Bloco. Com vitória do PS, obrigando Costa a virar-se para os seus parceiros reforçados nas urnas, ou com derrota do PS, obrigando o PS a mudar de liderança.
Regresso a Marcelo, que terá um papel fundamental no dia 31 de janeiro, porque é ele que nos aponta para a necessidade de termos previsibilidade na vida política portuguesa. Não seria mau que o Presidente da República nos dissesse o que entende que é razoável acontecer quanto à interpretação que os partidos vão fazer dos resultados de 30 de outubro. Podemos fazer de conta que não houve surpresa em 2015 ou entender que, depois do que aconteceu nesse ano, tudo passou a ser possível desde que uma maioria tenha metade dos votos mais um.
Pode sempre argumentar-se que umas palavras de António Costa, em que admite que o PS possa escolher Pedro Nuno Santos como seu sucessor na liderança no partido, é a mesma coisa que o povo português escolher um primeiro-ministro. A conversa sobre os móveis de São Bento não representa a escolha que António Costa tirou da gaveta para o caso de o povo não lhe dar a maioria que ele ambiciona. Votar em Portugal ainda não é escolha múltipla. O soberano é o povo, não é o líder do PS.
*Jornalista
Imagem em HenriCartoon
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