# Publicado em português do Brasil
Urariano Mota | Carta Maior
Existem vários modos de acabar
com os negros. No primeiro deles, o mais cruel, é sob tortura e espancamento de ódio. Um
linchamento público, com assistência sob o sol, chope e passividade. Se um
negro está sendo morto a porrada, alguma ele fez. Aliás, os negros sempre estão
fazendo qualquer coisa de errado.
Assim foi com Moïse Kabagambe, que trabalhava no Rio de Janeiro em um quiosque
da praia. O seu erro, a sua petulância. a sua loucura foi não reconhecer o seu
lugar, quando cobrou dois dias de pagamento por seu trabalho. Para quê? Foi
brutalizado por cinco bárbaros que o destruíram com pedaços de madeira e um
taco de beisebol. Um dos assassinos falou que "resolveu extravasar a raiva
que estava sentindo" e que, por isso, bateu no congolês com um taco de beisebol.
Mas hoje mesmo, em qualquer cidade brasileira, jovens são amarrados em postes,
numa recuperação dos velhos pelourinhos. Os novos escravos são espancados,
enquanto comunicadores na televisão aprovam e ganham dinheiro e fama por açular
a massa para o linchamento de marginais. Alguma coisa eles fizeram.
No segundo e frequente modo, acaba-se com negros, com crianças negras de
preferência, pelo terrorismo mais elementar das “balas perdidas” nas favelas e
comunidades mais pobres. Meninos e meninas negros, negríssimos, negros claros,
negras mestiças, mas sempre negros. Esses são crimes sem criminosos, de mortes
sem investigação, porque é o natural morrer em razão da natureza da cor e
lugar. Alguma coisa essas crianças fizeram.
Minutos antes da queda da criança Miguel, madame estava pintando as unhas
Um terceiro modo de se acabar com negro é confundi-los com assaltantes. Eles
não precisam estar armados ou com um objeto furtados. Mas alguma eles fazem,
sempre. Porque eles furtam mais que valores materiais: furtam a paciência de
quem vê aquela cor. Então não perguntem por que um homem honesto, trabalhador,
é confundido com um ladrão sem nunca ter roubado. Pois não veem que é negro? Se
não roubou, vai roubar. Se não foi ele, foi um seu comparsa, Portanto, é
preciso acabar com a sua raça.
Escrevi lá em cima que existem vários modos de acabar com uma raça. Depois, no
primeiro parágrafo, disse que existem vários modos de acabar com os negros. Mas
aqui devo fazer uma ressalva: existem vários modos de acabar com as pessoas de
pele preta. No Brasil, negro é uma cor. Se alguém descende de negros, mas
possui uma pele clara, não é negro. Pode até ser promovido a papel de
espancador e assassino da sua raça. Para um cão danado, todos a ele. Até mesmo
os cães moreninhos vão pra cima, porque não possuem o mal de ser negro. Apenas
possuem a raiva raivosa e ruim de acabar com um negro legítimo. Acabando-se,
assim, na própria alma que entregam ao inferno. Pois todo fogo é pouco para os
racistas.
*Publicado originalmente em Vermelho
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