Entre Humbe e Gambos existem as grandes chanas da Matemba e Calué. Nem sempre há pasto ou água, mas naquelas terras existem os que amam a vida e contam o tempo pela gestação de uma vaca coberta. O sábio Omunongo diz que já se extinguiram muitas esperanças e alegrias, mas sempre sobreviveu a amizade.
A enigmática Tungonkhe ilumina as águas do Cunene, Caculuvar e Tchimpumpumhime. Lança brilhos de prata sobre as mulolas de Setembro, grávidas das primeiras chuvas. Os jovens pastores pensam nas noivas ausentes e seus olhos choram tão secos como a terra sofrida.
Omunongo conhece a casa do Sol e já levou o seu rebanho até à montanha que é mãe de rios.
Tungonkhe é romântica como as luas que se espraiam nos vales abundantes de Calué. O sábio e a Lua tresmalhada encontram-se ao nascer o dia, por trás da Chela.
Tungonkhe quer saber se Omunongo é assim tão sábio como propagam os oráculos dos Gambos. E lança um desafio à sua sabedoria:
- Oupanga uli m’ombungo, kauli m’omulungo! A amizade vive no coração, não mora na boca.
Omunongo teve avós e adormeceu as noites da infância junto à fogueira. Até conhece o coração da terra e a alma do povo. Respondeu com sua voz tranquila:
- Pahavasa okuwoko omutima uvasa-po! Onde não chega o braço, chega o coração.
É grande o coração dos pastores do Cunene. Longas são as veredas e longos são os trilhos que levam ao pasto e à água.
A Lua de Setembro conhece todos os campos ressequidos, todas as mulolas vazias, com o barro gretado de um fundo lunar. A chuva está chegando e enche o ventre da terra. Dá de beber a quem tem fome, seja gado ou seja gente.
Tungonkhe começou a acreditar na sabedoria de Omunongo. Mas ainda tinha que fazer mais um desafio à sua inteligência.
Enquanto clareava a noite nas terras férteis de Calué, aproximou seus brilhos ao ouvido do sábio e sussurrou:
- Que não chegue antes de ti à panela do manjar, aquele que come todos os dias sem conduto. Que nunca te anteceda junto de quem manda, quem te odeia. Wonkhatu ehekupyane k’ombiya, ukuyele ehekupyane ku malombe!
Omunongo guardou o silêncio que só os sábios sabem reservar quando conhecem a origem das coisas e dos nomes, da água e dos pastos, do dia e da noite, da amizade e do ódio. Quando Tungonkhe já pensava que ele não tinha resposta para as suas palavras, o sábio respondeu:
- A falta de conduto junto ao rio não se compara com a falta de quem do rio está longe. Onkhatu yenyana kailifwe n’oyongongo!
Nas margens do Caculuvar há conduto para todos os dias de todas as vidas. No Cunene corre tanta vida que os deuses bem podiam reparti-la com as terras daninhas e o gado sequioso, surpreendido pela morte à sede, nos longos caminhos da transumância.
Omunongo é tão sábio como a Lua de Setembro que alegra as noites para que os dias de seca e fome sejam mais leves. Tungonkhe tem brilhos de feiticeira mas Omunongo sabe forjar raios de luz ao calor da fogueira.
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