sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Portugal | A DANÇA DAS CADEIRAS

Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

Fazer com que a táctica seja o próprio sistema de jogo. No momento em que centenas de milhares de votantes do Chega (CH) e da Iniciativa Liberal (IL) podiam esperar política dos partidos a quem confiaram o voto, eis que CH e IL os fazem esperar.

As vitórias eleitorais dos partidos à Direita do PSD transformaram um-singelo-deputado-único em grupos parlamentares de 12 e de oito deputados, resultado de um crescimento que elevou ambos os partidos à terceira e quarta forças políticas. Os primeiros sinais antes da ocupação dos lugares é de que ambos estão preocupados com a apropriação das cadeiras. A Assembleia da República (AR) já tem todos os deputados dados como eleitos mas alguns deles não se sentam nem se sentem confortáveis com os assentos a atribuir.

A irrelevância do caso da proposição (não confundir com indicação) pelo CH de Diogo Pacheco de Amorim para a vice-presidência da AR e a atenção que tem merecido por parte da generalidade dos média são bem reveladoras da forma como o CH gosta e consegue gerir o jogo político, fazendo da táctica do confronto e da vitimização o cerne do próprio sistema do seu jogo. Uma questão que será resolvida pela vontade - como sempre foi - dos deputados, resultante da sua votação secreta, passou a ser uma reivindicação gaga de um partido que, dizendo querer fazer "tremer o sistema", não consegue passar um segundo sem alinhar com ele. Materialmente, o CH faz parte do pior que o sistema tem e permite. Mas esta vontade formalmente piedosa de querer presidir ao órgão de soberania máximo de uma República que se gabam de querer destruir é mais uma daquelas contradições que fará babar de indignação parte da sua turba mas que nada diz ou acrescenta àqueles que encontraram no CH um voto, imagine-se, de protesto. Ainda assim, mais do mesmo. É no campo da contradição que o CH disputa uma coisa e o seu contrário. Compete às outras forças políticas não comprar as suas dores, o que não aconteceu com a IL e com alguns arautos das vantagens da normalização da extrema-direita racista e xenófoba em Portugal.

Ao centro, Direita, volver. A reivindicação da IL para ter assento parlamentar no centro da AR remonta a 2019. Nessa altura, enquanto ainda se dava o benefício de dúvida político, o episódio teve o seu cunho de marca de água. Mas, agora, a IL faz mesmo questão de se mostrar como algo que não é, recusando o círculo ideológico onde inevitavelmente se insere, como qualquer outro partido. Em 2022, crescida para oito deputados, continua a reivindicar o centro do Parlamento, como se fosse um anjo moral da equidistância, apátrida da Esquerda e da Direita. A IL tem esta mania de ser diferente, como se se distinguisse moralmente, acima das razões dos outros, sem que deixe de acusar permanentemente a Esquerda de superioridade moral. A IL pertence ao centro, mas ao centro da Direita, entre o PSD e o CH. Percebe-se que não se sinta confortável (é até apreciável que não se sinta) ao lado do CH, ao qual não é de todo comparável. Mas as coisas são o que são e esta reivindicação é tão táctica e inconsequente como a insistência do CH na vice-presidência da AR. Historietas. Se a IL fosse assim tão ao centro, na próxima Convenção do MEL faria questão, certamente, de deixar o centro do palco para se deslocar para o centro da assistência. Equidistante e "free, at last". Mas nem que uma mão invisível a puxe.

*Músico e jurista

*O autor escreve segundo a antiga ortografia

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