segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Portugal | A DEMOCRACIA NÃO PEDE O NOSSO SILÊNCIO

Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião

Estranho pedido este que nos andam a fazer para que nos calemos e não façamos ondas que aproveitem à extrema-direita para crescer. Como se o Chega fosse um daqueles monstros dos filmes de terror, que andam debaixo da terra à procura das nossas vibrações para nos apanhar. A páginas tantas, nos filmes, o silêncio é tão grande que o monstro até consegue ouvir o nosso coração. Talvez queiram que digamos ao coração da Democracia para parar de bater.

O que convém é não alimentar o monstro, estimando-o só porque tem representantes eleitos na casa do povo, fazendo de conta que o seu discurso, tantas vezes racista e xenófobo, profundamente desumanizado, com propostas de prisão perpétua ou castração, não corrói a Democracia.

Querem convencer-nos que a Democracia deve aceitar tudo, até o debate sobre ideias inaceitáveis. Por exemplo, André Ventura acha que há portugueses que não são de bem, onde se incluem os ciganos, para quem o líder do Chega queria confinamentos específicos, tipo guetos proibidos pela Constituição. O que devíamos fazer, segundo os tolerantes, era discutir essa proposta. E, se ela avançasse e o Chega subisse a parada, propondo um regime de apartheid com transportes públicos onde só pudessem andar os portugueses de bem? Passaríamos a discutir e votar a nova proposta porque, nas mentes brilhantes que nos pedem tolerância, esta é a essência da Democracia. E qual era o limite? O que o Chega achasse aceitável.

O mais caricato de tudo isto é que nos dizem que, em nome da democracia, devemos aceitar que o partido que tem um líder racista e xenófobo, diga e faça tudo o que lhe apetece, incluindo insultos racistas já condenados pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas nós devemos ficar em silêncio, porque o monstro se alimenta das nossas criticas. Se querem os votos dos outros partidos para ocupar um lugar de vice-presidente no Parlamento, os deputados devem dá-los para cumprir a tradição e para... não alimentar o monstro. Sobre este ponto, façamos aquilo que a democracia nos pede, contemos os votos.

Do Chega podemos contar que copie tudo o que a extrema-direita tem feito nos parlamentos de outros países, como na Alemanha. Com doze deputados, vai boicotar muitos debates, com interrupções constantes, risadas artificiais a toda a hora ou insultos aos outros partidos e deputados. E, depois, vitimizar-se. Façam como na Alemanha, os outros partidos assumem a cerca sanitária à extrema-direita e não legitimam com o seu voto a eleição de dirigentes da AfD. A extrema-direita até já está sob vigilância dos serviços de segurança e informação interna, por representar um perigo para a ordem constitucional da Alemanha.

Era suposto a direita democrática ter aprendido que foram as falinhas mansas e os discursos equívocos, mais a aliança nos Açores, que normalizaram um partido que de normal não tem nada. Se continua a querer agradar a Ventura e aos seus correligionários, fugindo a sete pés do confronto, a direita estará a entregar-lhe a liderança de mão beijada. Também era suposto que o jornalismo deixasse de olhar para o comportamento aberrante do Chega como um espectáculo que dá audiências. Mas não é de esperar coisa muito diferente do que tivemos até aqui e é fácil antecipar a novela em horário nobre, com o partido de Ventura a dominar todas as atenções, sempre que avançar por caminhos pitorescos, de pura provocação ou mesmo com propostas que pretendem ferir de morte a Constituição Portuguesa.

*Jornalista

# Imagem adaptada por PG

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