Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião
António Costa leva a maioria depois de anos de trabalho, nos quais vem neutralizando sistematicamente todos os seus maiores competidores (quer esquerda quer centro), desde 2015. Primeiro, calou Bloco e PC prometendo-lhes lugar ao sol. Depois, enterrou-os, decepando também o PSD quando fez que juntos aplaudissem tipo foca amestrada a sua gestão da covid. Durante dois anos nesse monotema, todos lhe bateram continência. As consequências da mesmice são hoje visíveis.
Depois das autárquicas, o PS fez as contas e percebeu que mais valia legislativas antecipadas (com a direita em frangalhos e os geringonços emboscados) do que daqui a um ano. Mais valia em 2022 - enquanto a população ainda estava dobrada pelo medo covid e preferiria a estabilidade - do que em 2023 quando a história ou a histeria seria outra. Agora era arriscado mas daqui a uns meses seria pior - António Costa montou então um teatrão de bluff e levou os seus antigos parceiros a chumbar o Orçamento, Marcelo a tropeçar nos seus próprios pés e a abdicar do seu papel de moderador. Insisti nesta tese desde Outubro. E mantenho. Depois, o primeiro-ministro dedicou-se com afinco ao controlo da narrativa. Há muito que conhecemos os seus dotes de spin. Revelaram-se quando foi ministro de Sócrates.
A aposta de eleições neste ano foi ganha. Desde logo, sai vencido o PR que fez da votação no Orçamento uma moção de censura e cuspiu gasolina para a fogueira - um orçamento chumbado jamais significaria "logo, logo, logo" eleições e outras hipóteses jurídico-constitucionais existiam - desde a apresentação de novo Orçamento até ao baixar à especialidade sem votação. A esquerda e os sociais-democratas, os principais rivais, também foram com os dentes ao tapete. Os primeiros porque Costa conseguiu que fosse sobre eles a recair o ónus da queda da Assembleia da República. Comunistas e bloquistas pagaram caro essa factura da suposta responsabilidade do chumbo do Orçamento. Os segundos porque Costa conseguiu que passassem por mera muleta, papel que Rui Rio aceitou (aceita?) de bom grado. E também porque outra direita vem reagindo a essa modorra, ora radicalizando-se, como é o caso do Chega, ora floreando, como é o caso da Iniciativa Liberal. Com melhores resultados na urna. Ou seja, António Costa conseguiu o melhor de três mundos: arrumou os rivais, criou um monstro/bode expiatório de seu nome André Ventura, humilhou Marcelo. Se durante estes meses, desde o chumbo do OE, o PS tem governando sem o crivo do parlamento e sem o filtro de Belém, manuseando bazucas e leis a seu bel-prazer, o kit mãos livres não será muito diferente nos anos futuros.
Mas não foi apenas a golpada de Outubro que levou Costa ao pódio. Diz-se que as eleições não se ganham, perdem-se. Mas esta escolha 22 será então excepção à regra - durante estes seis anos o PS sofreu um terrível desgaste, obstinou-se em opções como Cabrita, foi denunciado por várias investigações judiciais, e a tudo resistiu. Aguentou e até cresceu, agora sim, ganhou eleições sendo que, do outro lado, do lado da oposição, de facto, não havia vivalma para as ganhar. Rui Rio não descolou da sua medianidade bocejante. Moedas é um oásis. Mas, na verdade, António Costa teve a maioria na palma da mão desde Março de 2020, data a partir da qual não se falou de outra coisa, 24/7, senão de corona. O PM fez o que quis com a covid, medidas ilegais, anticonstitucionais, números martelados, dados manipulados e cenas ocultas como nos lares, e o que aconteceu? Nada. Absolutamente nada. Se quem está no poder e aplica as regras sai sempre beneficiado, quando tudo isso sucede sem qualquer oposição, alternativa ou pensamento crítico, o resultado só pode ser maioria ou mesmo a maioria absoluta. Ei-la. Será que algumas forças políticas retirarão daqui algumas conclusões?
Derrotados destas eleições saem também muitos órgãos de comunicação social, sondagens e a esmagadora maioria dos comentadores que passaram os últimos tempos a insistir que estaríamos perante um empate técnico, um taco a taco, ombro a ombro. Falharam, aqui e outra vez, clamorosamente. Também não serão eles os críticos do vencedor. Costa fez de todas as dificuldades (como perder em 2015 ou lidar com a covid) um mar de oportunidades. Hoje é rei.
*Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia
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