Kawape cresceu nas montanhas donde brotaram os grandes rios do mundo e a água fresca foi eleita princesa daquele reino de paz e abundância. Aprendeu com os pássaros abelheiros a ser feliz, apenas com o que sobra dos dias de abundância. E conheceu o sortilégio do amor, quando desposou Tjiyonga, uma menina mais bela do que o luar derramado sob a madrugada. Mas tudo tem o seu fim. E um dia chegou a hora de chamar os filhos, para lhes anunciar o nascimento da aldeia gerada pelo amor existente entre o homem e a natureza, numa união tão perfeita como o fruto da usombo, a árvore que dá água à luz.
Os seus sete filhos rodearam o luando onde estava deitado e quando caiu sobre o quarto um manto de silêncio Kawape falou:
- Utima wange wañumala tjyalwa, sok’eti olofa vyey’ale. A minha alma está muito triste, parece que a morte já veio.
Disse estas palavras e ficou cansado, tal a sua fraqueza. Ganhou forças e prosseguiu:
- Chamei-vos porque quero dar-vos as duas chaves do paraíso. A primeira foi-me ofertada pela minha querida mãe, quando se despediu de mim, no seu leito de morte:
- Não comeces por comer, começa por pensar: huka livange okulya, lyanga okusoka.
O velho tossiu e fez nova pausa. A voz saiu da sua boca como um fio da teia que a aranha teceu na usivi, mãe da madeira eterna. Recompôs-se e disse aos filhos:
- Vou dar-vos a segunda chave do paraíso. Esta foi-me oferecida pelo meu querido pai, antes de o enterrarmos na margem do riacho, sob as árvores que têm raízes de água: quem se informa em várias fontes é que fica a saber toda a verdade. “Lwakuta luvali k’osoke olwo lwakola!”
Ditas estas palavras, Kawape cerrou os olhos e esboçou um sorriso de felicidade. Os filhos começaram a chorar a sua morte. Mas o velho ainda não tinha partido. Abriu os olhos e começou a falar tão baixinho que as palavras mais pareciam o respirar sereno das crias recém-nascidas. Olhou um a um os sete filhos e disse num tom débil:
- Uma vez no paraíso, é preciso merecê-lo. E só conseguem lá ficar se permanecerem unidos como se fossem um só.
O velho pegou na mão de uma filha que se encontrava à cabeceira, acariciou-a e fez um último esforço para entregar aos sete filhos a sua preciosa herança:
- Nd’etji ame ndosoli, l’enevo vukalisola p’okati, assim como eu vos amei, assim haveis de amar-vos entre vós.
Kawape fechou de novo os olhos e não mais os abriu. Acabava de partir para o paraíso que construiu naquelas colinas verdes. Os sábios dizem que elas são os olhos da mãe de todos os rios, que habitam desde o primeiro raio de sol, no coração de Angola.
Os filhos de Kawape usaram as
chaves para entrar no paraíso, amaram-se uns aos outros e da sua união nasceu
uma aldeia próspera, onde todos vivem
Esta aldeia de paz e cordialidade nasceu do ventre da união e manda todos os dias para o mundo, nas asas do vento, a sua mensagem de felicidade.
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