domingo, 13 de março de 2022

CONTOS POPULARES ANGOLANOS -- A Escrava Natula e o Feiticeiro Nyanya

Seke La Bindo*

O feiticeiro Nyanya tinha mais poder do que os reis e possuía a força dos ventos que varriam a montanha Halavala ou a correnteza dos rios nos dias de tempestade. Um dia recebeu como recompensa a bela Natula, que fez sua escrava. A menina era tão prendada que o poderoso feiticeiro se apaixonou por ela. Sempre que fazia as suas magias, chamava-a e ensinava-lhe todos os passos do seu mundo mágico. Mas nunca pensou que a sua escrava preparava, dia após dia, a sua liberdade.

Certo dia Capwiya, caçador de uma aldeia longínqua, perdeu-se na mata e alta noite foi bater à porta da casa do feiticeiro Nyanya, pedindo agasalho e um pouco de comida. O feiticeiro chamou Natula e disse-lhe para pôr comida na mesa. O rapaz reparou na beleza deslumbrante da menina e pensou:

- Se este homem me der a mão de sua filha, caso com ela e vou levá-la para a minha aldeia.

Natula também ficou enamorada de Capwiya e disse para si:

- Se o caçador perdido me levasse, regressava ao mundo e à liberdade.

Ao fim da noite, o rapaz foi dormir numa esteira perto do fogo e Nyanya e Natula foram para os seus quartos. Mas o caçador perdido não conseguia dormir, só pensava na bela escrava do feiticeiro.

No dia seguinte, ao amanhecer, ele sentiu os passos do feiticeiro, encheu-se de coragem e disse:

- Quero a mão de sua filha e levá-la para a minha aldeia. Lá, tudo o que tenho, é seu. 

Nyanya sorriu e disse ao caçador perdido que não queria nada. 

- Dou-te a mão da minha filha mas com uma condição: cumpres um pedido que te vou fazer. Se conseguires satisfazer, levas Natula. Mas se falhares, corto-te a cabeça e meto-a no caldeirão dos feitiços.

Capwiya sentiu um grande arrepio de medo e pôs os olhos em Natula. A escrava do feiticeiro fez-lhe um gesto discreto para que aceitasse o desafio. 

- Eu aceito. O que devo fazer?

- Estás a ver aquela grande lavra? Tens que cavá-la, semear o milho, fazê-lo germinar, crescer, amadurecer e colher as maçarocas. Mas tem que ser tudo hoje. Se não conseguires, ficas sem cabeça. Se conseguires, Natula é tua esposa.

O caçador perdido ficou muito triste porque era impossível cumprir o desejo de Nyanya. Mas Natula, que conhecia todas as magias do feiticeiro, disse a Capwiya:

- Não estejas triste, vais conseguir cumprir o que está acordado!

Ela fez a sua magia e de repente a lavra ficou toda cavada e capinada. Depois lançou os grãos de milho à terra. Passados uns minutos o milho começou a nascer e ao meio-dia estava tão verde e tão grande que parecia uma mata. Ao entardecer estava concluída a colheita das espigas.

O feiticeiro chegou a casa e viu todos aqueles grãos maduros no quintal. As canas do milho pareciam uma montanha. Os pássaros apanhavam insectos e grãos perdidos na lavra que tinha acabado de dar a maior colheita de sempre.

- Tu cumpriste o meu pedido, por isso dou-te a mão de Natula em casamento.

O jovem casal foi dormir e a escrava do feiticeiro avisou:

- Cuidado, ele vai matar-te. 

Então combinou um estratagema como o caçador perdido. Encheu uma garrafa de saliva e colocou-a à porta do quarto. Depois pegou em dois pilões e colocou-os na cama a fingir de pessoas. 

Os dois saíram de casa e Natula escolheu os dois cavalos mais velozes do feiticeiro, levaram-nos pela rédea até longe de casa e depois montaram, fugindo para a aldeia de Capwiya.

Em casa, o feiticeiro, de vez em quando chamava por Natula. E a saliva da garrafa respondia: - Pai! E assim foi quase toda a noite. Mas quando a saliva estava a acabar a resposta foi muito débil: - Paaaiiii…

Quando a saliva acabou, o feiticeiro chamou mas já não houve resposta. O dia amanhecia na montanha de Halavala e o sol começava a mirar-se nas águas dos rios. Então Nyanya pegou numa catana, entrou no quarto pé ante pé e desferiu vários golpes nos corpos deitados. De repente parou de golpear, tirou o cobertor e viu que tinha sido enganado pela escrava e o caçador perdido. Foi buscar um cavalo, fez uma magia para lhe colocar asas e partiu voando atrás dos fugitivos.

Quando já estava próximo do casal, Natula fez um feitiço e de repente nasceu uma nuvem muito espessa. O cavalo ficou perdido e partiu as asas contra uma mulemba. Mas continuava a correr a toda a brida. 

A menina então fez nascer entre os fugitivos e Nyanya uma espessa mata de espinheiras e vissapas:

- Eye wakapa ko usenge wa lisitika calua!

 Mas ele, com a sua bengala mágica, conseguiu vencer o obstáculo. A menina então fez cair tanta chuva que em breve ficou tudo inundado.

- Noke wakapa ko ombela yalua!

 Feiticeiro e cavalo atravessaram mais este obstáculo. 

Natula então criou o rio Keve. E logo a seguir fez um feitiço para que ela e Capwiya ficassem crianças. Os cavalos foram transformados em passarinhos. Os dois entraram nas águas límpidas do rio e começaram a brincar. Eis que chega Nyanya no seu cavalo de asas partidas. Vê as crianças e pergunta-lhes se não viram passar um casal cavalgando a toda a brida:

- Por aqui não passou ninguém! – Disse Capwiya. 

O feiticeiro ficou desesperado e começou a bater com a bengala mágica no chão com tanta força, que se partiu. Sem a sua fonte de magia, voltou para trás e deixou Natula e Capwiya em paz. E assim se virou o feitiço contra o feiticeiro!

Olupolo ka wendanda otembo ka niñili.

*Esta história foi-me contada por Flora Linda professora na Tchicala Tcholoanga

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