domingo, 6 de março de 2022

“UM BANDO DE DROGADOS E DE NEO-NAZIS”

Thierry Meyssan*

Ao evocar um bando de drogados e de neo-nazis no Poder em Kiev, o Presidente Putin chocou. A imprensa atlantista esforçou-se para o apresentar como um doente mental. Ora, os factos são evidentes : o Poder na Ucrânia está, na verdade, ocupado por um bando de drogados que roubou as receitas do gás. Uma lei racial foi aprovada. Monumentos ao Colaboracionista nazi Stepan Bandera foram erigidos. E dois batalhões nazis foram já incorporados no Exército regular.

Este artigo dá seguimento a :
 1. « A Rússia quer obrigar os EUA a respeitar a Carta das Nações Unidas », 5 de Janeiro de 2022.
 2. « Washington prossegue o plano da RAND no Cazaquistão, a seguir na Transnístria », 11 de Janeiro de 2022.
 3. « Washington recusa ouvir a Rússia e a China », 18 de Janeiro de 2022.
 4. « Washington e Londres, atingidos de surdez », 1 de Fevereiro de 2022.
 5. « Washington e Londres tentam preservar a sua dominação sobre a Europa », 8 de Fevereiro de 2022.
 6. “Duas interpretações do processo ucraniano”, 16 de Fevereiro de 2022.
 7. «Washington canta vitória, enquanto seus aliados se retiram », 22 de Fevereiro de 2022.
 8. «A Rússia declara guerra aos Straussianos», 3 de Março de 2022.

A Estratégia militar da Rússia é actualmente impossível de decifrar porque não temos a noção exacta das operações no terreno. Apenas os Estados-Maiores russo e otaniano a têm. Aquilo que é difundido é claramente falso, no caso dos jornais ocidentais e do governo ucraniano, e inverificável, no caso dos Exércitos da Rússia, de Donestz e de Lugansk.

A única coisa que é certa, é que —de momento— os combates se limitam ao território ucraniano quando o conflito diz respeito à Rússia e aos Estados Unidos, e apenas de maneira incidental à Ucrânia.

Esperamos que, em 5 de Março de 2022, a Rússia alce o tom e leve o conflito a um segundo teatro de operações.

Esperando, vou explicar aquilo que o Presidente Vladimir Putin queria dizer ao descrever as autoridades ucranianas como «um bando de drogados e de neo-nazis», uma expressão extremamente chocante, mas já muito conhecida.

Talvez o Presidente Putin dê demasiada importância a estes factos, ou talvez sejamos nós, Ocidentais, que os minimizemos.


 
«UM BANDO DE DROGADOS»

O governo de Viktor Ianukovytch (2010-14) tentava manter a Ucrânia num justo equilíbrio entre o seu vizinho russo e o seu amigo norte-americano. No entanto, segundo o dito do Presidente Bush Jr, « Aqueles que não estão connosco, estão contra nós». Por consequência, era considerado pelos Ocidentais como «pró-Russo». Ele acabou derrubado pelos Estados Unidos, sob o comando da adjunta do Secretário de Estado para a Eurásia, a Straussiana Victoria Nuland, por ocasião da « revolução da dignidade » na Praça Maidan. O regime transitório ficou nas mãos dos agitadores profissionais. Descobriu-se então a amplitude da corrupção da equipa Ianukovytch e os Straussiens decidiram ganhar mais dinheiro ainda.

Em 3 de Abril, um dos antigos conselheiros do Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, o escroque David Archer, e o seu camarada de ganzas, o filho do Vice-President Joe Biden, Hunter Biden, encontraram-se com o bilionário Stephen Schwartman, Director do fundo de investimento Blackstone ( não confundir com a Blackrock) na Itália, nas margens do lago Como, no Ambrosetti Club.

David Archer, foi colocado no conselho de administração da Burisma Holdings, uma das principais sociedades de gaz ucranianas cujo proprietário estava na mira de processos judiciais do FBI e do MI5 no Ocidente. Os policias norte-americanos e britânicos haviam formado a convicção que o proprietário da Burisma, o oligarca Mykola Zlochevsky, que era o Ministro dos recursos naturais do regime de Ianukovytch se havia ilegalmente atribuído licenças para as suas sociedades gasíferas e petrolíferas. Por esta função de “testa de ferro”, Archer foi remunerado no valor de 83. 333 US dólares ao mês. Uma foto sua na Casa Branca com o Vice-Presidente Biden foi colocada no “site” da companhia.

Depois o Vice-Presidente Joe Biden e os seus Conselheiros Jake (the snake) Sullivan e Antony Blinken chegaram a Kiev para prometer a ajuda dos EUA ao novo regime e organizar eleições credíveis. No entanto, os oblasts de Donestzk e Lugansk rejeitaram o Governo Provisório, que incluía cinco ministros nazis e, por referendo, proclamaram a sua independência. No dia seguinte, 12 de Maio de 2014, o filho do Vice-Presidente Biden, o drogado Hunter Biden, ingressou no conselho de administração da Burisma Holding. Em seguida, um terceiro homem, o genro do Secretário de Estado John Kerry, Christopher Heinz, juntou-se a David e a Hunter na administração da Burisma.

Durante o segundo semestre de 2014, a instruções de David Archet e Hunter Biden, a Burisma passou 7 milhões de dólares por baixo da mesa ao Procurador Geral (Promotor-br) da Ucrânia do novo regime Poroshenko para redigir falsos documentos e encerrar as investigações judiciais contra ela e o seu oligarca proprietário. Uma escuta telefónica permitiu ouvir o Presidente Petro Poroshenko confirmar ao Vice-Presidente Biden que o assunto estava « tratado ». Os Estados Unidos haviam, portanto, reciclado o antigo Ministro do « pró-russo » Yanukovych. Em seguida, o Procurador-Geral, decididamente muito “guloso” foi afastado por uma votação no Parlamento provocada pelos Estados Unidos, União Europeia, FMI e Banco Mundial, os quais desejavam também salvar a oligarca e antiga Primeira-Ministra Yulia Tymoshenko, mas a um custo menor.

Todos estes eventos foram amplamente relatados na imprensa ucraniana. E, eles são apenas a ponta do iceberg. por exemplo, segundo o Wall Street Journal, o Secretário da Energia norte-americano Rick Perry terá feito pressão sobre o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky para despedir os administradores da sociedade gasífera pública Naftogaz e substituí-los por outros, entre os quais o straussiano Amos Hochstein.

Em Julho de 2019, o Presidente norte-americano Donald Trump pediu ao seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, para investigar os negócios de corrupção (incluindo o do seu próprio Secretário da Energia), e este recusou. Quando Trump se torna cada vez mais pressionante, um funcionário dos Serviços Secretos dos EUA revela o conteúdo dessa conversa e acusa o Presidente Trump de instrumentalizar a Ucrânia para prejudicar o seu rival, o candidato democrata Joe Biden. Seguir-se-á um processo de destituição (impechment-ndT) do Presidente Trump no Congresso, o Ucrâniagate.

O mínimo que se pode dizer é que foram comprovados um grande número de actos de corrupção, que foram perpetrados em benefício de personalidades ucranianas e norte-americanas e que, no fim, dezenas de milhar de milhões (bilhões-br) de dólares desapareceram e o nível de vida da população ucraniana afundou. Tudo isso foi feito através de personagens de fachada sem nenhuma competência em matéria de gás, mas que tinham em comum participar nas noitadas de droga de Hunter Biden. Foi isto que o Presidente russo Vladimir Putin evocou com razão.

De um ponto de vista europeu, todos constataram que desde há um ano, o preço do gás para consumo aumentou dez vezes. Certo, o aumento da procura é maior que o da oferta, mas isso não explica, em absoluto, a amplitude dessa alta de preços. Na realidade, os contratos de gás de longo prazo são sempre calculados a preços um pouco mais caros do que no passado, enquanto os contratos de curto prazo sofreram um empurrão. A diferença explica-se exclusivamente pela especulação. E, precisamente, a Blackstone e os amigos do Presidente Joe Biden foram os primeiros a especular. Eles esperavam como é evidente uma crise num dos países produtores.

Compreende-se melhor porque a imprensa atlantista minimiza o escândalo Hunter Biden, no qual o seu pai tornado Presidente dos Estados Unidos está enterrado até ao pescoço. Em última análise, a actual operação militar na Ucrânia provoca uma alta extra nos preços do gás, sempre em proveito dos amigos do Presidente dos EUA e em detrimento dos Europeus.

Estes factos devem ser ligados com o que escrevi no artigo anterior desta série. Jake Sullivan, Antony Blinken e Victoria Nuland, que dirigiram estes esquemas, são Straussianos. E tal como escreveu o primeiro deles, Paul Wolfowitz, em 1992, o primeiro rival dos Estados Unidos é a União Europeia, a quem é preciso impedir o desenvolvimento.

Além disso, estes factos são assuntos internos da Ucrânia e da Europa Ocidental. Eles não justificam intervenção externa.


«UM BANDO DE NEO-NAZIS»

O Presidente Vladimir Putin falou igualmente de um bando de neo-nazis. Desta vez, não se trata de mais um pequeno grupo de algumas dezenas de pessoas, mas de alguns milhares, entre 10 e 20. 000.

Para compreender, é preciso lembrar que no fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a URSS aprisionaram cada um muitos dignitários nazis. Todos tentaram recolher as suas informações. Mas se, ao fim de oito meses, os Soviéticos os enviaram de volta a casa, os Norte-Americanos conservaram um certo número deles e reciclaram-nos. Todos sabem que, por exemplo, o cientista nazi que projectou as V2, Werner von Braun, se tornou o Director da NASA (Operação «Paperclip»). Ou ainda que o Conselheiro especial do chanceler Adolf Hitler para a Nova Ordem na Europa, Walter Hallstein, se tornou o primeiro Presidente da Comissão Europeia. Ou ainda, que o alpinista Heinrich Harrer foi encarregado pela CIA de instruir o Dalai Lama. O que se sabe menos, é que a CIA reciclou também muitos SS e policias da Gestapo um pouco por todo o lado no mundo. Por exemplo, ela colocou o gestapo Klaus Barbie à cabeça da Bolívia onde ele conseguiu eliminar Che Guevara, ou o SS Alois Brunner na Síria (na altura aliada de Washington).

Durante toda a Guerra Fria, a CIA utilizou os nazis. No entanto, o Presidente Jimmy Carter encarregou o Almirante Stansfield Turner de pôr a Agência na ordem para limitar o papel desses agentes e acabar com as ditaduras. A maior parte dos nazis foi demitida, mas aqueles que poderiam agir dentro do Pacto de Varsóvia foram mantidos. Assim, o Presidente Ronald Reagan celebrou as « nações cativas » da Europa do Leste, criando uma miríade de associações para desestabilizar os Estados membros do Pacto de Varsóvia, até mesmo a URSS.

Foi pois de maneira bastante lógica, que em 2007, a CIA organizou em Ternopol (Ucrânia) um congresso para reunir os neo-nazis europeus e os jiadistas médio-orientais anti-russos. Foi presidido pelo nazi ucraniano Dmitro Yarosh e o emir checheno Doku Umarov. Todavia este último, procurado pela Interpol, não pôde ir até lá. Enviou pois uma mensagem vídeo de apoio. Em seguida, os neo-nazis e os jiadistas bateram-se juntos para impor o Emirado Islâmico da Itchkéria no lugar da República chechena.

Em 2013, a OTAN treinou os homens do dito Dmitro Yarosh em combate de rua, na Polónia. Desta forma, foram eles os operacionais durante a mudança de regime montada por Victoria Nuland na Ucrânia: a « revolução da dignidade » também conhecida por «EuroMaidan». A maior parte dos jornalistas no local notou a inquietante presença desses nazis, mas as personalidades ocidentais que vieram participar dessa «revolução», como Bernard-Henri Lévy, estavam cegas.

Nos meses que se seguiram, a presença de cinco ministros nazis no Governo de Transição provocou os referendos de independência dos oblasts de Donetz e Lugansk. O Presidente Petro Poroshenko, a conselho de amigos de Hunter Biden, organizou-os em unidades militares que colocou na fronteira das novas Repúblicas populares de Donetz e Lugansk. Os grupos neo-nazis eram financiados pelo chefe da máfia local Ihor Kolomoisky. O facto deste ser presidente da Comunidade Judaica da Ucrânia não o inibiu de escolher assim os seus capangas. No entanto, quando Kolomoisky tentou tomar o controle das organizações judaicas europeias, com dinheiro e ameaças, acabou expulso.

Para acabar com o Presidente Poroshenko, Ihor Kolomoisky fabricou, a partir do nada, um novo político produzindo uma série de televisão, Servidor do Povo, cujo actor principal era um certo Volodymyr Zelensky. Quando este foi eleito Presidente e os Straussianos acederam de novo à Casa Branca, ele aceitou todas as suas sugestões. Erigiu monumentos em homenagem a Stepan Bandera, o chefe dos Colaboracionistas nazis durante a Segunda Guerra Mundial. No fim, apoiou a sua ideologia segundo a qual a população ucraniana tem duas origens, de um lado escandinava e proto-germânica, do outro eslava, sendo que apenas os primeiros são verdadeiros ucranianos, os segundos não passam de Russos, infra-humanos. Então promulgou uma « Lei sobre os Povos Autóctones » que priva os Ucranianos de origem eslava do gozo de Direitos do homem e de liberdades fundamentais. Esta lei ainda não foi posta em prática.

Durante sete anos, os grupos nazis massacraram os habitantes do Donbass, ao acaso. A Alemanha e a França, garantes dos Acordos de Minsk, nada fizeram. As próprias Nações Unidas fecharam os olhos. Durante sete anos, estes grupos desenvolveram-se. Passaram de centenas de soldados a milhares.

A pedido de Victoria Nuland, o Presidente Zelensky nomeou Dmitro Yarosh Conselheiro especial do Chefe das Forças Armadas. Este último, manifestamente incomodado, recusou comentar este estranho dueto por questões de «segurança nacional». Yarosh reorganizou os neo-nazis em dois batalhões e em grupos urbanos. Ele lançou uma vasto ataque aos oblasts separatistas no fim-de-semana da Conferência sobre Segurança de Munique, desencadeando assim a resposta russa.

Em 3 de Março, o batalhão nazi Aidar foi vencido pelo Exército russo. O Presidente Zelensky nomeou então o seu comandante como governador de Odessa tendo por missão impedir as Forças Armadas russas de conseguir a junção entre a Crimeia e a Transnístria.

Todos estes factos são indiscutíveis. Pode-se achar que a resposta da Rússia é desproporcionada e inapropriada, mas não que ela seja injustificada.

Deve ter-se em mente que a Segunda Guerra Mundial foi vivida de forma diferente no Ocidente e no Leste. Na Europa Ocidental, o nazismo foi uma ditadura que atacava as Minorias, os Ciganos e os Judeus, que sequestrou e exterminou milhões em campos. Na Europa de Leste, o projecto era muito diferente. Tratava-se de libertar um “espaço vital” exterminando para isso toda a população eslava. Não eram precisos campos. Toda a gente tinha de ser morta. Só a URSS contabilizou 27 milhões de mortos. A Rússia moderna foi construída sobre a memória desta Grande Guerra Patriótica contra o nazismo. Para os Russos, é inaceitável exibir cruzes gamadas e aprovar uma lei racial. Logo, era preciso agir sem esperar que ela fosse aplicada.

Thierry Meyssan* | Voltairenet.org | Tradução Alva

* Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyableimposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II.
Manipulación y desinformación en los medios de comunicación
 (Monte Ávila Editores, 2008).

Apoiem a Rede Voltaire

Desde há 27 anos a Rede Voltaire milita por uma prática de liberdade de pensamento, de igualdade em direitos e de fraternidade. Hoje em dia traduzidos em várias línguas, nós tornamo-nos uma fonte de análise das Relações Internacionais utilizada por inúmeros diplomatas, militares, universitários e jornalistas em todo o mundo.

Não somos apenas jornalistas, mas também e acima de tudo cidadãos comprometidos que defendem a Carta das Nações Unidas e os 10 príncipios enunciados pelos Não-Alinhados em Bandung. Não promovemos uma ideologia ou uma visão do mundo, mas buscamos desenvolver o espírito crítico dos nossos leitores. Nós privilegiamos a reflexão em vez da crença, os argumentos acima das convicções.

Nós temos necessidade do vosso apoio financeiro. Participai
 fazendo uma doação de 25 euros
 fazendo uma doação de 50 euros
 fazendo uma doação de 100 euros
 ou assumindo uma uma doação de 10 euros por mês

Só graças ao vosso encorajamento é que nós conseguimos prosseguir.

Sem comentários:

Mais lidas da semana