Artur Queiroz*, Luanda
Manuel Videira, médico e militante do MPLA. Pertenceu à Revolta Activa. Foi preso em 1976, na sequência da repressão sobre essa facção do movimento, nascida depois do dia 25 de Abril de 1974. O entrevistado não diz, provavelmente porque a sua memória já não é o que era, mas eu lembro: Nesse ano, o ministro que tutelava as polícias, inclusive a DISA, era Nito Alves. Na entrevista ele preferiu ignorar esse facto e só revelou o nome de quem assinou o mandato de detenção: Ludy Kissassunda. Não deve haver maldade na omissão. Foi entrevistado por Isaquiel Cori para o Jornal de Angola. Infelizmente, o texto está repleto de erros de ortografia, mal organizado e graves erros formais mas isso não impede que se compreenda a parte que me interessa. O jornalista perguntou: Como é que passou o 27 de Maio de 1997, na cadeia?
Resposta de Manuel Videira: “Foi dramático, assustador. Fomos acordados pela primeira bazucada que foi disparada contra a cadeia de São Paulo. A bazucada foi atirada justamente para o ângulo onde se encontrava a camarata da Revolta Activa. Não sei se foi por acaso ou intencional. Eram 6 horas e 25 minutos da manhã. A cela era colectiva mas não muito grande. Lá estávamos seis ou sete, os considerados dirigentes da Revolta Activa”.
Pergunta o jornalista: Quem eram os outros que estavam consigo na cela?
Resposta de Manuel Videira: “Estavam o Gentil Viana, o Mário Paiva, os três irmãos Pinto de Andrade (o Justino, o Vicente e o mais novo, já falecido), um jovem, o Lukamba, que agora está na Inglaterra, o Jota Carmelino...
Nova pergunta de Isaquiel Cori: Na altura correram o especial risco de serem fuzilados?
Responde Manuel Videira: “Houve dois incidentes que apontavam para esse desfecho. Um quando alguém andava à nossa procura e depois de nos identificar disse ‘ai é, logo à noite vocês vão parar o motor no Campo da Revolução’. E foi-se embora. Passada cerca de meia hora o Sabata, penso que você já ouviu falar dele, com uma AK foi à procura dos membros da Revolta Activa e começou a alinhá-los para iniciar o fuzilamento, ali mesmo na cadeia. Felizmente para nós a comissária Virinha, que fez parte do assalto (alguns dizem que foi ela que comandou o assalto à cadeia de São Paulo, que durou horas) vinha a atravessar o pátio e veio a correr, chega ao pé do Sabata e dá um grito: Oh Sabata, quem é que te deu ordem de fazer isso? Ela, mesmo grávida, tinha para aí uns cinco meses de gravidez, deu um golpe ao Sabata e tirou-lhe a arma. Comissário aqui é que manda, quem te deu ordem? Ela foi ralhando com o Sabata, que, envergonhado por ser desarmado por uma mulher, saiu pelo portão grande e nunca mais o vimos. Foi assim que a Virinha nos salvou”.
Pela primeira vez um dirigente da
Revolta Activa revela factos importantíssimos. Vou evidenciar quais são.
Primeiro. O Sabata liderava uma quadrilha de marginais
A situação agravou-se e não tínhamos gente que chegasse para enfrentar os polícias da PSP (o equivalente à Polícia Nacional), taxistas, agentes e bufos da PIDE todos ao serviço dos defensores da independência branca. Foram mobilizados grupos organizados de marginais, como o Passarão, que depois foi para a FNLA, Sandokan, Bandeira Rasgada e o Sabata. As forças ficaram equilibradas mas ainda assim eram poucas. O problema só se resolveu quando os jovens angolanos integrados nas tropas portuguesas se revoltaram, dirigidos pelo alferes Carvalho, e foram defender o povo dos musseques.
Os marginais que ajudaram a enfrentar os esquadrões da morte foram receber treino nos Centros de Instrução Revolucionários (CIR) e depois integrados nas FAPLA. É o caso do Sabata. Ao mesmo tempo, o ministro das polícias, Nito Alves, lançou a mais feroz repressão sobre os antigos membros da Revolta Activa, os “esquerdistas” (órgãos do Poder Popular) e os Comités Amílcar Cabral. Assim nasceu o fraccionismo que culminou com o golpe de estado militar de 27 de Maio de 1977. Sabata alinhou com os fraccionistas e participou activamente no golpe de estado.
Manuel Videira desmente quem afirma que o 27 de Maio foi ima manifestação popular de descontentamento, pacífica. A in vasão dos golpistas à cadeia de São Paulo, segundo o entrevistado, durou horas. E os “manifestantes” estavam armados até com bazucas. Os detidos da Revolta Activa só não foram fuzilados no pátio da prisão, porque a comissária política do Batalhão Feminino, Virinha, não deixou. Essa unidade das FAPLA aderiu ao golpe de estado militar. Mas Virinha deixou matar Hélder Neto e outros funcionários do Estado. Manifestantes matadores! A responsabilidade foi dela, porque comandou a acção golpista.
Obrigado, camarada Manuel Videira. Finalmente, alguém da Revolta Activa contou a verdade sobre o que se passou na prisão de S. Paulo.
Outra parte importantíssima da entrevista tem a ver com a figura de Viriato da Cruz. Manuel Videira confirmou: Ele defendia que os mulatos e brancos não deviam participar na luta armada der libertação nacional. E mais. Agostinho Neto, quando fugiu de Portugal, onde estava sob prisão, chegou a Kinshasa e assim que assumiu a liderança do MPLA decidiu propor a Holden Roberto uma frente comum de combate ao colonialismo. Diz Manuel Videira: “Agostinho Neto vinha com muita ‘fúria’e muita pressa e convencido que iria convencer o Holden Roberto a fazer uma plataforma qualquer de entendimento, tipo uma frente unida...Viriato não concordava com isso, apesar de mais tarde aproximar-se de Holden de Roberto...”
Agostinho Neto lutou pela unidade das organizações que combatiam o colonialismo de armas na mão. Agostinho Neto rejeitou o racismo e o tribalismo. Agostinho Neto recusou remeter os angolanos mestiços e brancos para os “serviços auxiliares” da revolução. Agostinho Neto propôs a Holden Roberto a unidade e este rejeitou. Viriato da Cruz abandonou o MPLA e mais tarde “aproximou-se a Holden Roberto”. Camara Manuel Videira, coragem! Não há que ter medo das palavras. Viriato da Cruz e o seu grupo de maoistas abandonaram o MPLA e foram integrar a FNLA. Depois Viriato abandonou tudo e foi para Pequim conspirar contra o MPLA. Leiam o livro do camarada Sócrates Dáskalos. A mentira não cabe na História Contemporânea de Angola. Há sempre um Manuel Videira e repor a verdade dos factos.
* Jornalista
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