Esta lógica belicista não é de hoje e o rolo compressor já empurra todos para a barricada, ratificando o jogo nunca discutido eleitoralmente. Tal como na guerra no Iraque, infantiliza-se o conflito.
João Ramos de Almeida | Ladrões de Bicicletas | em Setenta e Quatro
Há duas poderosas dinâmicas que fomentam a escalada de forças muito conservadoras.
Por um lado, há o pântano que afunda o país. Ele espalha-se com os efeitos cumulativos da União Económica e Monetária, alicerçada em políticas neoliberais que impedem o planeamento estratégico soberano e que cultivam a individualização laboral para baixar salários e reduzir o poder sindical. Tudo isso aprisiona a economia em sectores de baixo valor que perpetuam estagnação, desigualdades e geram o desencantamento de camadas intermédias, radicalizando-as à direita. Pior: nada disto é atacado pelo PS que ata erroneamente a palavra Socialismo a este pântano. Vinte deputados da extrema-direita económica são um sinal do que já se vê pela Europa.
Esta normalização não é um acaso: é um velho programa. Como escrevia o diretor do Expresso, João Vieira Pereira (11/2/2022), “a esquerda radical vai querer rapidamente reconquistar a rua. Rua essa que terá agora de partilhar com a direita radical”.
A segunda dinâmica aproveita a guerra. Estigmatiza-se a esquerda, colando-a ao inimigo que se quer banir. A defesa da NATO surge – ao arrepio constitucional - como o teste do algodão. Quem critica quem combate o meu inimigo, meu inimigo é.
Esta lógica belicista não é de hoje. Na I Guerra Mundial, o peso dos Estados ocidentais caiu sobre movimentos pacifistas, tidos como aliados dos inimigos. No rescaldo da II Guerra Mundial, quando se criou a NATO contra a URSS, Portugal fascista foi um dos seus fundadores, o que legitimou a repressão da PIDE ao anti-fascismo como quinta-coluna de Moscovo. A NATO não é, pois, flor que se cheire.
A guerra nunca é inevitável, mas
não deve ser provocada. Face à Rússia menorizada pelo fim da URSS e
estraçalhada pelas políticas neoliberais na década de
Nesses tabuleiros, os dirigentes da Ucrânia, esquecendo concidadãos, deixaram-se aliciar como peões, arriscando uma guerra por procuração. A Rússia não pensou nos ucranianos ao invadir um país, provocando o êxodo de milhões. Nenhuma das partes pensou nos ucranianos ao afastar um acordo ao mais alto nível, antes ou durante a guerra. Pelo contrário, chovem armas para a fogueira. Mesmo a dividida UE não pensa nos ucranianos ao aprovar sanções, reais actos de guerra, enquanto pede à Rússia e à China que não retaliem...
E o rolo compressor já empurra todos para a barricada, ratificando o jogo nunca discutido eleitoralmente. Tal como na guerra no Iraque, infantiliza-se o conflito. “A linha divisória entre a democracia liberal e os seus adversários transformou-se numa barreira intransponível. Não há zonas cinzentas.” (Teresa de Sousa, Público, 23 de março). Diz-se: isto vai durar.
Mas isso não resolve o problema da Paz porque não se luta contra o martírio dos povos: luta-se pela guerra com uma certa bandeira. Quem a criticar, é atirado para a fogueira. E juntamente com a água do banho, vai o bebé.
A UE suspende o canal Russia Today? Já nem se esconde a censura belicista, justificada pela “ameaça importante e direta à ordem e segurança públicas da união”(!) Pior: a comunicação social exerce um papel criador de hegemonias. “Esta malta gosta pouco de ouvir opiniões contrárias. (...) Repare, na SIC exprimi a minha opinião de que Putin tinha ficado encurralado e nem consegui dizer mais nada” (major general Raul Cunha ao Setenta e Quatro). O jornal Expresso já publicara a 7 de março um artigo intitulado “A guerra sobre a guerra na TV: há generais portugueses putinistas pró Russia?”
Pressente-se, pois, o fruto desta deriva. “Não faz nenhum sentido que pessoas que são cúmplices de Putin estejam presentes no Conselho de Estado em Portugal, que é uma democracia liberal” (Raul Vaz, comentador da Antena 1 e ex-diretor do Jornal de Negócios).
Tudo está, pois,
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