Num tempo em que o dinheiro parado no banco vale zero (ou menos), não há dúvida de que devemos agradecer à empresa eléctrica, e, talvez até, propô-la para uma medalha presidencial.
Demétrio Alves | AbrilAbril | opinião
A comunicação social informou que, no recente leilão de fotovoltaica flutuante, um dos lotes relacionado com a albufeira de Alqueva resultou num preço negativo de 4,13 euros/MWh (ou seja, um pagamento ao SEN – Serviço Eléctrico Nacional), num contrato «por diferenças» (CfD). Ou seja, que a EDP, neste caso a EDPR (Renováveis), vai pagar para produzir electricidade durante 15 anos.
O secretário de Estado da descarbonização enfunou as suas ambiciosas velas com verdes ventos.
Mas, perguntarão os simples, por que motivo a empresa se presta a tal sacrifício?
Façamos um esforço para entender o negócio.
A EDP promoverá este «grande» projecto híbrido num aproveitamento que envolve a albufeira do Alqueva – que já é uma sua concessão num referencial de algumas dúvidas levantadas ao tempo – integrando diferentes tecnologias de ponta na produção renovável, envolvendo uma central solar fotovoltaica flutuante de 70 MW.
As condições do concurso possibilitaram os seguintes resultados:
1) A concessionária pagará ao SEN, durante os primeiros 15 anos, cerca de 4,13 euros/MWh para poder produzir e injectar electricidade na rede eléctrica de serviço público (RESP).
2) A concessão estende-se por 30 anos e, portanto, na segunda metade do período a produção já poderá ser vendida «livremente» ao preço de mercado grossista (MIBEL).
3) O projecto permitirá, ainda, devido às condições definidas para o leilão, ligar à rede um total de 154 MW de energias renováveis, e, portanto, a EDP irá construir mais 14 MW fotovoltaicos e... uma central eólica de 70 MW!
4) Estas produções poderão também, no futuro, ser vendidas a preços do mercado grossista.
5) Como se conhecem as idiossincrasias deste mercado grosseiro, são de esperar preços altíssimos.
6) E o mais importante: a EDP já lá tem, neste empreendimento, grupos reversíveis (bombagem/produção) numa capacidade instalada total de 520 MW. Trata-se, portanto, de um conjunto (Alqueva + Pedrógão) reversível, que nas horas do dia em que a electricidade é barata pode elevar água de jusante para a albufeira, e, quando preço é alto no mesmo mercado, faz produção de electricidade para vender.
7) A EDPR terá múltiplas possibilidades de operar esta instalação híbrida: poderá, por exemplo, dedicar toda a electricidade produzida pelas centrais solares e eólicas para bombar água e armazenar electricidade e, depois, produzir nas horas caras obtendo grandes margens favoráveis.
Se os preços no MIBEL continuarem a ser formados como tem sido hábito, então a EDP poderá vir a obter diferenças entre as horas de baixa (quando está a bombar) e as horas de alta (quando produzirá para rede) acima de 200 euros/MWh (já descontando os 4 euros/MWh que tem que pagar ao SEN).
Foi, assim, que a eléctrica, tomando uma resolução patriótica e corajosa, avançou com uma proposta tão arriscada.
A EDP terá afirmado publicamente que, apesar de «ter que pagar para produzir», espera obter uma rentabilidade entre 6% e 8%, o que estará em linha com os rendimentos de 7,4% expectáveis nas renováveis regulamentadas.
E acrescentou, esclarecedora e pedagógica, que não espera uma margem elevada para sempre, mas, apesar disso, se disponibilizou para tal investimento essencial para a transição descarbonizadora que permitirá substituir a produção eléctrica por combustíveis fósseis.
As condições propiciadas pelos documentos de enquadramento do leilão assentaram, por sorte, como uma luva de pelica no caso concreto.
E, num tempo em que o dinheiro parado no banco vale zero (ou menos), não há dúvida de que devemos agradecer à empresa eléctrica, e, talvez até, propô-la para uma medalha presidencial.
Refira-se, de passagem, que Alqueva é um empreendimento de fins múltiplos, desconhecendo-se se todas as mais-valias eléctricas esperadas também beneficiarão as outras componentes.
Ainda haverá alguém que tenha dúvidas sobre o papel estratégico deste tipo de exploração dos recursos renováveis?
É verdade que também são um enorme manancial de rendas, lucros e dividendos. Mas, caramba, num período de grande crise em que a Terra corre aterradores riscos, como não louvar a arte e o engenho dos gestores e políticos, atirando críticas como pedras?
Há que ter humildade, reconhecimento e, sobretudo, como bom cidadão consumidor atento às necessidades planetárias, não esquecer de pagar a factura da electricidade.
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