Manuel Carvalho Da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Vão-se multiplicando os pronunciamentos políticos que enfocam o inesperado que cada crise nos apresenta, como argumento justificativo de sacrifícios impostos aos cidadãos. Afinal, o que têm de diferente e o que têm em comum as crises que vão surgindo? Porque razão as suas duras consequências recaem sempre sobre o mexilhão?
As diversas crises têm de
diferente as suas origens: em 2007/ /2008, foi a especulação imobiliária nos
Estados Unidos, rapidamente exportada para a Europa e, como reflexo, entre 2010
e 2015, as políticas de austeridade impostas pelos países poderosos do
"centro" da Europa aos periféricos como Portugal; em 2020, foi um
grave problema global de saúde pública provocado pela covid-19; em 2022, foi a
invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra
Contudo, os "vírus" e as consequências que cada crise expõe são, fundamentalmente, os mesmos. O vírus principal é o neoliberalismo que tudo transforma em mercadoria, desde os mais significativos elementos da natureza até aos atos humanos, como o exercício da solidariedade ou a gestão da pobreza. As consequências das diversas crises são também as mesmas: mortes e sofrimento, mais exploração de crianças, mulheres e grupos de pessoas com vulnerabilidades, aumento da instabilidade e da exploração no trabalho, acelerada concentração de riqueza por parte de uma minoria de poderosos, aprofundamento das desigualdades, e gravíssimas ruturas nas relações sociais.
Na evocação dos dez anos do Observatório sobre Crises e Alternativas, José Reis, ao analisar as crises dos últimos catorze anos, afirmou que "é preciso não cometer o erro de pensarmos que as crises vêm de fora da nossa vida. É o modo como a nossa vida material se organiza, que está no centro de tudo". Referindo-se ao que a pandemia de covid-19 expôs, enunciou: "intensas mobilidades com delapidação do ambiente, elevado consumo energético e criação de vulnerabilidades, "cadeias de valor globais" com enfraquecimento da capacidade interna e geração de dependência nos sistemas de produção e provisão de proximidade". Acrescentou que, "entre nós, encontrámos nessa crise o que lá pusemos (antecipadamente): a dependência industrial que tínhamos acumulado, o trabalho precário que tornámos norma,...a excessiva economia de serviços banais e, nela, o turismo...e outros setores de baixa produtividade em que assentamos a criação de emprego".
No seu entender, a guerra na Ucrânia veio confirmar alguns daqueles "termos excessivos em que se estabeleceu a economia mundial" e realçar outros; e vai expondo o "confronto de grandes poderes". Na opinião de José Reis, "reencontramos uma palavra velha: imperialismo". Por mim, direi que estamos perante uma luta interimperialista, sem precedentes na história.
As diferenças nas políticas monetária e orçamental adotadas pela União Europeia face à pandemia confirmaram que sempre existem alternativas. Mesmo assim, tudo indica que vai prevalecer a exploração dos mais frágeis. O drama acrescido é que a cavalgada do neoliberalismo já não dispensa a participação das forças fascistas.
*Investigador e professor universitário
Sem comentários:
Enviar um comentário