Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião
oi você que pediu mais guerra? Mais armamento? Mais sangue, mais mortos? Está mesmo disposto a ir para o campo de batalha ou para lá enviar filhos e netos? Até que ponto? O nuclear? Verdade que a Ucrânia tem de ter condições para discutir a paz, mas, para a esperança sobreviver, bastava que clamassem por mais diplomacia metade dos que salivam por mais guerra.
Na festa dos cravos, mas sem grandes floreados, o Presidente da República veio pedir dinheiro para as Forças Armadas. Este apelo vem ao encontro à ideia de que a era da paz terminou, que devemos estar prontos para a Terceira Guerra Mundial. Ainda antes de se discutir que tipo de Forças Armadas se pretende, em que moldes e com que missões; sem debate amplo sobre a militarização, sugere-se mais igualdade na Aliança Atlântica e que todos os países da NATO, inclusive Portugal, cumpram o investimento acordado. Na mesma vereda, há quem rogue por um exército europeu. Talvez ignorem que o gestáltico todo nem sempre é superior à soma das partes e que, como os europeus não são uma unidade, um povo, armados não constituiriam um exército, mas antes um Frankenstein militar. Demonstra-o a história, mas também o presente - ou acham que um alemão estaria disposto a bater pala e a seguir as ordens de um francês, por exemplo? Além disso, no passado, muitos exércitos europeus serviram mais para oprimir as gentes e suprimir liberdades do que propriamente para salvaguardar os direitos e a integridade dos povos. Será isso o pretendido? É esse o objetivo?
Além do mais, de que fatia do Estado Social está você disponível para prescindir em troca de mais verbas para a defesa? Na verdade, ainda mais verbas, porque a dotação orçamental deste ano já foi superior (o OE2022 estabelece mais 2,5% da despesa na Defesa, em comparação com o valor executado em 2021). Que fracção será? Saúde? Educação? Do que abdica? De alguma parcela lá terá de ser porque dinheiro há pouco e a dívida pública nacional não pára de aumentar. Como e porquê, é esta a transferência e o rigor pelos quais se devem pautar os nossos governantes quando bradam por mais dinheiro para as forças armadas, trotando a onda populista de hoje, ressoando à antecâmara da IGGM... quando não havia o mesmo potencial de Armagedão. E é essa a fasquia cidadã que lhes devemos exigir.
Depois, o que é uma defesa credível? De quanto armamento precisará Portugal não apenas para dispor de uma capacidade de protecção efectiva mínima, como também para impor respeito a putativos inimigos? Certamente não bastarão meia dúzia de caças ou mais um submarino. Qual será o ponto certo? Não precisaríamos de dispor igualmente de bombas nucleares? E é esse país e esse mundo de implosão com que sonhamos?
Enfim, repudiar a escalada simétrica e rejeitar a militarização da UE é defender a Europa da civilização, o interesse das nações e dos povos. O contrário é engordar as poderosas indústrias da destruição, patrões cujos filhos jamais combaterão. Armar até aos dentes os nossos territórios é um caminho muito longo, cujo único fim possível é o martírio de russos, ucranianos, europeus. É a estrada suicida. Não, não pode ser.
*Psicóloga clínica. -- Escreve de acordo com a antiga ortografia
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