É todo um tratado sobre o populismo: reduzir o número de deputados, reforçar os poderes presidenciais e, claro está, remover todas as referências a colonialismo, imperialismo, desarmamento e, não podia faltar, o fascismo.
AbrilAbril | editorial
O projecto de lei já está nas mãos dos 77 deputados que constituem o grupo parlamentar do PSD. Bastará agora acertar o passo com os candidatos à liderança do partido (Jorge Moreira da Silva ou Luís Montenegro, ambos com ligações ao governo PSD/CDS-PP liderado pelo Passos Coelho) para o projecto ser oficialmente entregue na Assembleia da República.
O conteúdo do documento foi, entretanto, divulgado pela agência Lusa, expondo o carácter conservador, populista e anti-democrático da proposta, disposta a acabar, de vez, com uma das constituições mais progressistas do mundo: desfigurando 127 dos 296 artigos da Constituição da República Portuguesa (CRP), eliminando mais de 30 e reorganizando capítulos inteiros da Lei Fundamental.
Camuflado debaixo de iniciativa de revisão, está quase uma nova e retrógrada constituição, desadequada aos desafios dos novos tempos.
Entre as proposta de teor populista avançadas pelo PSD, cada vez mais disponível a assumir todas as narrativas da extrema-direita, encontra-se a redução do limite máximo de deputados de 230 para 215, reduzindo a representatividade política, correspondendo assim a uma tentativa, por via legislativa, de impôr o modelo bipartidário.
Por outro lado, a introdução da limitação de mandatos para todos os cargos políticos, a alteração da duração das legislaturas de quatro para cinco anos e dos mandatos do Presidente da República de cinco para seis anos, representam um cheque em branco, criando obstáculos ao escrutínio popular regular.
O PSD assume, 48 anos depois, o seu posicionamento face aos crimes do colonialismo e imperialismo
Do carácter progressista da CRP, sobra o preâmbulo, sem valor normativo e que os sociais-democratas apenas pretendem manter pelo seu valor «histórico». Todas as referências à luta contra o colonialismo, o imperialismo, a defesa do desarmamento e pelo fim dos blocos político-militares seriam, segundo a intenção daquele partido, para eliminar.
Um admirável mundo novo, inaugurado pela Guerra na Ucrânia, em que o Ocidente se encontra sempre disponível para sacrificar as populações em detrimento de alucinadas corridas ao armamento, não se veiculou em Portugal apenas pela mão do PSD.
Poucos dias antes das comemorações populares do 25 de Abril, a ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras, reiterou o objectivo de alcançar, de forma progressiva, um gasto de 2% do PIB em investimentos na área da Defesa (maioritariamente através da compra de armamento).
Quem paga estes desmandos? Entre os muitos mártires das novas campanhas armamentistas, sanguinárias, está a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que no Orçamento para 2022 («o orçamento mais à esquerda de sempre», era então o chavão) vai perder mais de 32 milhões de euros, sonegados à investigação portuguesa e ao desenvolvimento científico.
Abrindo o caminho para a ilegalização de partidos políticos em Portugal
Outra das alterações que o PSD pretende introduzir na CRP, no que toca ao artigo relativo à liberdade de associação, é a substituição da proibição de organizações que «perfilhem a ideologia fascista» por aquelas «que perfilhem ideologias totalitárias».
Esta, aparentemente pequena, revisão, consubstancia um percurso que a direita portuguesa e europeia vem trilhando faz alguns anos, de que é exemplo o documento, apresentado e aprovado no Parlamento Europeu, que pretende equiparar o Nazismo ao Comunismo (frequentemente usado como argumento por figuras políticas ligadas ao PSD, CDS-PP, IL e Chega).
Com os olhos postos na experiência da Ucrânia, que proibiu o partido comunista em 2015 e, mais recentemente, proibiu todos os partidos sobre os quais recaia a suspeita de serem pró-russos (suspeita, claro está, sem provas), o que o PSD pretende está bem à vista.
Tentando confundir conceitos eugenistas, desumanos e fascistas com projectos humanistas e progressistas, base do estado social de garantias e de condições dignas de vida para todos, o PSD revela a agenda escondida, há muito ambicionada, de abrir as portas à proibição do Partido Comunista Português.
As narrativas anti-comunistas têm vindo a contaminar o espaço mediático a reboque de responsáveis editoriais e grupos económicos detentores de órgãos de comunicação, que partilham e divulgam artigos de opinião branqueadores do fascismo, desvalorizadores do papel dos comunistas na luta contra o Estado Novo e na construção do Portugal Democrático.
Não encontrando o revisionismo histórico eco na academia, são agora, sem pudores nem vergonha, os órgãos de comunicação social comandados por figuras sempre disponíveis para cortejar o poder, que assumem este papel. Esta dinâmica alucinada, sem compromisso com a verdade e com príncipios deontológicos, já deixava antever em 2020 o que aí vinha. Exemplo flagrante foi uma abertura do telejornal da noite, em 2020, na SIC, com uma imagem falsa da capa da Time sobre a Festa do Avante!.
As alterações à Constituição exigem uma maioria de dois terços dos deputados em funções, o que torna o apoio do PS indispensável para a aprovação do projecto do PSD. O seu posicionamento determinará, fundamentalmente, o futuro da democracia em Portugal.
AbrilAbril | editorial
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