sábado, 28 de maio de 2022

UM LIVRO O CORONEL E A FOSSA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O livro é a vida em todo o seu esplendor. Segundo Gramsci, todos os livros são excelentes quanto mais não seja porque devemos que honrar quem teve a ousadia de se sentar à frente de uma página em branco e depois corajosa e solidariamente partilhou as suas palavras com os outros. O meu livro chama-se NZUMBI O GENERAL DE TODAS AS FRENTES. Acaba de sair da gráfica e está disponível para quem quiser ler. O autor é Matias Lima Coelho, o General Nzumbi. Num dos capítulos relata os últimos dias, horas e minutos de Jonas Savimbi. É a primeira vez que uma testemunha do precioso e histórico acontecimento partilha esses factos com a Humanidade.

Outro capítulo é dedicado à libertação do Norte de Angola. O General Nzumbi era o chefe do estado-maior de uma unidade das FAPLA aquartelada no Ambriz, que foi incumbida de uma missão: Acabar com todas as bases da FNLA e escorraçar os restos das tropas zairenses. O comandante Bakalof foi ao Ambriz recrutar tropas para o golpe de estado militar do 27 de Maio de 1977. As palavras do General Nzumbi no seu livro: 

“No dia 27de Maio estava com a tropa, em exercícios, entre o quartel e a praia. Às oito e meia da manhã fui informado de que havia maka em Luanda. A Rádio Nacional estava a dar de novo o programa Kudibanguela. Eu tinha corrido com a tropa desde as cinco e meia da manhã. Mandei formar os homens. Um camarada informou: Em Luanda há uma maka estranha! Coloquei imediatamente os homens de prevenção. Mandei o comissário político, Progressista, falar com a tropa. E ele começou logo a dizer que “temos de combater os vícios burgueses”!  Percebi que ele sabia de tudo! O problema é que era meu colega de quarto! 

Vou recuar um pouco no tempo. No dia 2 de Maio estava em Luanda e fui matabichar com o comandante Ndalu, que nessa altura já era o comandante da IX Brigada. Estava comigo o Zé Kandongo que o comandante Kianda salvou da morte, quando libertámos o Soyo. E disse-me ele: - Viste ontem a derrota do MPLA? Quando o Neto começou a falar todo o mundo deu as costas. O Neto foi derrotado. 

Não lhe dei troco mas fui dizendo que os discursos anteriores do comício tinham sido muito longos e o calor apertava. Era natural que as pessoas saíssem do estádio antes do discurso de Agostinho Neto.

À noite perguntei ao comandante Ndalu: O que se passa?

E ele respondeu: Está tudo bem. Amanhã volta para junto das tuas tropas. Vou arranjar uma avião para te levar, estás há muito tempo fora.

Outro pormenor. Dez dias antes do 27 de Maio apareceu no Ambriz o comandante Bakalofe o Zé Kandongo. Queriam falar com tropa. O recado foi dado pelo Zé Kandongo:

- Viemos falar para a tropa. 

Eu respondi educadamente, com os olhos postos no comandante Bakalof:

-  Tenho o meu plano de trabalho da brigada e não está lá a visita do comandante Bakalof. Eu dependo do meu comandante não do Estado-Maior General. Ele é que tem de me dizer quem me vem visitar. Por isso, não autorizo que falem com a tropa. 

Isto aconteceu na vila do Ambriz. Parti imediatamente para a unidade. Mandei sair todo o pessoal do quartel. Todos dispensados. Quando o comandante Bakalof e o Zé Kandongo chegaram, não encontraram os nossos militares. Contrariados, disseram que voltavam no dia seguinte. Eles dormiram na vila. Às seis da manhã apareceu o comandante Kianda com uma coluna. O comandante Bakalof fugiu para Luanda no avião Cessna que o trouxe e estava às ordens dele.

No próprio dia 27 de Maio, o comissário político, Progressista, mandou formar as tropas e disse empolgado:

- Os burgueses têm que ir para a cadeia! 

Intrometi-me e dei ordens de prevenção. Ao comissário Progressista disse claramente:

- Se vocês estão contra Agostinho Neto, nós estamos contra vocês.

Por volta das 11 da manhã queriam amarrar o oficial operativo do Serviço de Informações Militares, Kolombolo. Impedi, com a firmeza necessária. Depois o comissário político Progressista  veio ter comigo e entrou logo a dar ordens:

- Manda duas companhias para Luanda. Eu vou a comandar. 

O Progressista ouviu de novo a palavra não:

- Se sair daqui tropa, vai sob as ordens do comandante ou das minhas, nunca do comissário político.

Depois fui falar, via rádio, com o comando da IX Brigada em Luanda. 

- Quero falar com o comandante Ndalu. Resposta: Não está. Quero falar com o comandante Kianda. Resposta: Não está. Quero falar com o comissário político Fenómeno. Resposta: Não está. Este, àquela hora, estava em fuga. Percebi tudo: Os golpistas estavam a levar tareia e queriam o reforço das duas companhias. 

De repente, do outro lado apareceu alguém. Pedi que se identificasse. E ouvi: Aqui a palavra de ordem é AO SERVIÇO DO POVO. 

- Eu não conheço ninguém do comando da IX Brigada chamado AO SERVIÇO DO POVO. Mas avisei o meu interlocutor:

- Da minha brigada não sai ninguém para Luanda sem a ordem pessoal do comandante Ndalu. 

Quando voltei para a parada vi que o comissário Político Progressista estava a  agitar a tropa:

- Em Luanda  Estão a matar o povo. Vamos lá! Vamos lá!

Interrompi-o e falei serenamente com as tropas:

- Os de Luanda querem ir para Luanda? Os de Malanje, para Malanje? Os do Huambo, para o Huambo? Vai acabar a unidade! A nossa missão é aqui. Ninguém sai sem ordens minhas ou do comandante.

O Progressista, desesperado, partiu para a ameaça:

- Tu não és ninguém. Se isto pegar vais ser o primeiro que eu vou matar.

O comandante tinha partido para a vila do Ambriz, claramente à espera dos resultados. O comissário político foi ter com ele e disse:

- Luanda mandou chamar as nossas tropas!

E eu, qur tinha chegado uns minutos antes, falei pausadamente para os dois:

- Não vai nenhuma tropa para Luanda. Enquanto não recebermos ordens do comando da IX Brigada não sai ninguém. 

O comandante ficou visivelmente aliviado e disse apressadamente:

- Estou de acordo como chefe do estado-maior da brigada! 

Na terça-feira prenderam o Progressista e eu tentei salvá-lo. Até lhe fiz uma visita na cadeia. Foi o único do meu batalhão que o tribunal marcial condenou a fuzilamento.

Os golpistas queriam a tropa para integrarem na manifestação pacífica de massas.

Agora um coronel. Em Dezembro de 1975, o Presidente Agostinho Neto deu-me uma missão:

- Acabam de chegar a Luanda vindos de Portugal, camaradas nossos, comunistas, a quem oferecemos asilo político. Estão alojados na casa de trânsito do Beco do Balão. Enquanto não tiverem a sua vida definida e não lhes for atribuído alojamento definitivo, o camarada fica em contacto com eles e tem de garantir que nada lhes vai faltar.

Em Luanda a penúria doía muito. Nem na casa de Agostinho Neto havia comida. Mas aqueles exilados do 25 se Novembro tinham tudo. O meu querido e saudoso amigo Tarique tratava da comida e dos jarros de cerveja. E eu abastecia-os. Visitava a casa de manhãzinha, à hora do almoço e ao fim da tarde. Eles, nada pediam, nada exigiam, mas era para mim um ponto de honra nunca chegar de mãos a abanar. Pelo menos um jarrão de cerveja entrava sempre naquela casa. Um dos exilados era o coronel Varela Gomes, que eu conhecia de nome, porque protagonizou um audacioso golpe militar, em Beja, no auge do regime fascista e colonialista. Foi dos homens maís íntegros que conheci. E um revolucionário destemido.

No grupo também chegou o jornalista Adelino Tavares da Silva. Foi visitar-nos ao Diário de Luanda e ficou logo a trabalhar com o mesmo salário do Raimundo Souto Maior, do Luciano Rocha e o meu, que éramos da direcção. A esposa, no dia seguinte estava a trabalhar na Biblioteca Nacional. Nós éramos muito nacionalistas, mas ainda mais internacionalistas. Aprendemos com Agostinho Neto. Ele sempre nos ensinou que o nacionalismo sem internacionalismo, é um beco com saída para o fracasso e a submissão.

E a fossa. Hoje, às duas da manhã, acabei de ver um filme de uma tal Margarida Cardoso cuja artista principal é Sita Vales. Aquilo mete vários actores desastrados e abaixo de péssimos. Excepto o Orlando Sérgio, que compôs uma máscara excelente de changuteiro, e o bêbado da valeta que quando se trata de desonrar Angola, o MPLA e Agostinho Neto, está sempre pronto, mesmo que não lhe atirem as moedas aos pés, para apanhar com a boca. O que é a fita? Imaginem um chiqueiro de porcos que há 45 anos chafurdam no mesmo sítio, comem o que defecam, defecam o que comem, voltam a chafurdar até ficarem cobertos de fezes e vómitos. Aquilo não é um filme. É uma fossa infecta. Não consigo identificar os piores actores, mas Justino Pinto de Andrade está, pelo menos, em segundo lugar. À cabeça temos um tal Costa e Silva que é ministro do governo de António Costa. Como o animal se esforçou por debitar porcaria e mascar as fezes dos outros! Um herói com lugar garantido no próximo Os Lusíadas, versão escrita ao pé, pelo Agualusa.

Um porcalhão diz no filme que o Nito Alves era um verdadeiro Che Guevara. Outro garante que quem matou os comandantes do Estado-Maior General das FAPLA, no dia 27 de Maio de 1977, foi “a direita do MPLA”. Todos viram prisões, torturas e mortes. Mas nenhum explicou por que razão eles saíram da cadeia para actores do filme da porcina Margarida Cardoso.

O Costa e Silva, aldrabão encartado, disse que todos os dias iam à cadeia buscar “companheiros” para serem fuzilados: “Um dia levaram-me a mim. Vendaram-me os olhos e depois encostaram-me a um muro. Ouvi carregar as armas mas não dispararam!”

Estou em condições de revelar em primeira mão que o comandante do pelotão de fuzilamento pensou melhor. Decidiu poupar-lhe a vida e libertá-lo para, 45 anos depois, lixar os portugueses como ministro. A vingança serve-se fria! Hoje os portugueses fazem excursões a Fátima para que Nossa Senhora ilumine o pelotão de fuzilamento e acabe o serviço que começou.  O Papa Pio XII também benzeu os canhões que Mussolini mandou para a Etiópia.

Uma actriz do “Sita”, fossa de grande metragem, é Zita Seabra que, por via da cama, foi alta dirigente do Partido Comunista Português. Aliás, todos os porcos e porcas têm um ponto em comum. Foram do PCP e saíram. Uns quantos alegaram que saíam porque o partido era demasiado conservador. Depois foram para o Partido Socialista que, como se sabe, é ultra revolucionário. A Zita Seabra saiu e só parou na extrema-direita. A Sita Vales não esperou tanto. Em 1977 envolveu-se na direcção política e militar de um golpe de estado racista e com fumos tribalistas (os “nambuas”). Se o golpe do 27 de Maio de 1977 tivesse triunfado, hoje Angola era um bantustão do regime racista da África do Sul. E o ditador de serviço seria mais sanguinário do que Mobutu.

Uma das actirzes chama-se Maria Eugénia Varela Gomes. Espero que não tenha qualquer ligação com o coronel Varela Gomes, que Agostinho Neto recebeu em Angola, quando se exilou após o 25 de Novembro, como um irmão e um camarada. Eu colaborei nessa recepção. 

A fossa “Sita” (ou filme de merda, como queiram) é o expoente máximo do banditismo fraccionista sobrevivente do 27 de Maio de 1977. Aquele chiqueiro tenta sujar Agostinho Neto, Lúcio Lara, Iko Carreira, Onambwe, Ludi, o MPLA e toda a sua direcção, a República Popular de Angola e os seus órgãos de soberania. Mas só sujou o bom nome dos portugueses que pagaram aquela porcaria e pagam para a RTP descer aos confins do mundo do lixo. 

*Jornalista

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