Artur Queiroz*, Luanda
Um dia, o meu saudoso mestre Acácio Barradas marcou-me um encontro na “praça da alimentação” do centro comercia Amoreiras. Compra-se a comida que queremos, baratinho, sentamo-nos e falamos sem ninguém se intrometer. Ele tinha chegado de Luanda e queria dar-me novidades. Estava orgulhoso do seu filho Carlos Manuel de São Vicente, porque os seus negócios corriam bem e por mérito próprio. Depois convidou-me para participar na obra Agostinho Neto uma Vida sem Tréguas. Aceitei inc0ndicionalmente. À noite fomos a um espectáculo de ópera. O Barradas era melómano e adorava o género. Com ele aprendi a gostar. É uma expressão pura da arte popular.
A Universidade de Coimbra é das mais antigas do mundo. A sua Faculdade de Direito também está cotada no mais alto nível mundial. Recordo, entre muitos outros mestres, Orlando de Carvalho, Gomes Canotilho, Figueiredo Dias, Costa Andrade, Faria Costa ou Vieira de Andrade. Com alguns deles aprendi muito. Insignes mestres!
O Professor Catedrático Costa
Andrade é um penalista respeitado mundialmente. Foi presidente do Tribunal
Constitucional
O Professor Catedrático Costa Andrade afirma: “O que o Tribunal invoca para tanto são factos ou circunstâncias absolutamente anódinos e irrelevantes do ponto de vista da incriminação do Peculato” O que é anódino e irrelevante? O Professor Catedrático Costa Andrade mostra os factos, retirando-os da douta sentença de primeira instância: “Criar mecanismos ardilosos para centralizar todo o negócio dos seguros e resseguros (…) exercer simultaneamente as funções de director da DGR e PCA das empresas AAA, passando a actuar como ‘árbitro e jogador’ (…) ter sobrefacturado os valores dos prémios e comissões, aumentando cerca de dez vezes o risco reral a ser ressegurado (…) ter aumentado significativamente os prémios e franquias (…) não ter prestado as informações semestrais obrigatórias (…) fazendo menção de que tal valor correspondia ao risco real a ser ressegurado no exterior do país, e assim o dinheiro saía de Angola passando para a esfera patrimonial e de disponibilidade dele (…) depois de ressegurado o risco real, retirava para si o excedente e transferia para as contas bancárias sob seu controlo (…) com a única e clara intenção de delapidar os fundos públicos”.
Tudo isto é conversa para um discurso político, moralista ou de apreciação crítica dos longos anos de gestão de um alto quadro político e gestor. Mas, diz o Professor Costa Andrade, “nada, rigorosamente nada, têm a ver com a factualidade típica de Peculato. Nada tem a ver com apropriação – inversão do título de posse – de coisa alheia que, antes, se encontrasse já na sua posse, por título não translativo da propriedade”.
Em resumo: “O douto acórdão limita-se a sinalizar um complexo amálgama de factos e circunstâncias genéricas que não correspondem, nem de perto nem de longe, aos momentos da factualidade típica da infracção. Não podendo, como tais, sustentar a condenação do réu, a nenhum título, pelo crime de Peculato”. E aí vai um aviso: “Pelo menos enquanto subsistir o propósito de respeitar o conteúdo de garantia do imperativo constitucional de legalidade, nullum crimen sine lege”. E acrescento eu: crime é condenar alguém com base em leis do deposto “rei” do Bailundo.
E o crime de fraude fiscal, alegadamente cometido pelo empresário Carlos São Vicente? O Professor Catedrático Costa Andrade dá uma resposta contundente: “O douto acórdão recorrido assenta numa interpretação e aplicação de um regime jurídico que nada tem a ver com o direito positivo e vigente em Angola”. O que aconteceu? “O douto Tribunal aplicou ao réu Carlos Vicente um direito que não existe no actual ordenamento jurídico angolano”.
A douta sentença define a fraude fiscal como um crime de perigo, precisamente ao contrário do que dispõe a Lei Angolana. Mas noutro ponto da sentença o Tribunal entra em grave contradição, reconhecendo que a fraude fiscal “só tem lugar quando o agente, visando a não liquidação, entrega ou pagamento de prestação tributária, falsifica, vicia documentos ou incorre em simulação de acto ou negócio jurídico e tiver obtido, em virtude da falsificação, viciação ou simulação, uma vantagem patrimonial indevida”. Mas logo a seguir é “colado” na douta sentença um conceito contraditório ao classificar a fraude fiscal como “crime de resultado cortado” o que está certo no direito penal fiscal português mas “errado e impertinente no contexto do direito angolano” como conclui o Professor Catedrático Costa Andrade. O Doutor Tuti Fruti e o Aguinaldo Jaime andam baralhados.
Por isso, “uma coisa sobra líquida e irrefutável: a impossibilidade de referenciar entre os factos dados como provados e imputados ao réu Carlos Vicente os factos correspondentes aos pressupostos objectivos e subjectivos da factualidade típica da incriminação da Fraude fiscal”
Pior, muito pior. Nada tem a ver com o tipo da Fraude discal o facto de o réu não “partilhar as comissões de cedência e de proveito de resseguros, resultantes do negócio com as demais seguradoras, inclusive com a ENSA (empresa pública de seguros) porque o réu retinha a totalidade das comissões, sem partilhar com as demais seguradoras”
Comissões pagas às empresas AAA eram pagas fora do território de Angola mas isso não é crime de fraude fiscal, como entende o douto Tribunal. O Professor Catedrático Costa Andrade explica porquê: “O simples facto de um qualquer operador montar a sua organização empresarial em diferentes países e aí obter rendimentos não constitui só por si fraude fiscal”. O douto Tribunal, tinha que identificar o montante do imposto devido em cada situação concreta, o resultado do prejuízo causado ao Fisco em cada situação concreta. Ou do enriquecimento ilegítimo do agente”.
Carlos São Vicente também não cometeu o crime de Fraude fiscal. Aguardemos pelo resultado do recurso.
E o branqueamento de capitais? Carlos São Vicente não dissimulou nem ocultou a origem criminosa de produtos e valores, particularmente dinheiro. Carlos São Vicente, para ser condenando por branqueamento de capitais, segundo o Professor Catedrático Costa Andrade, “tinha de apagar a marca ou o estigma de produto do crime através do qual o dinheiro foi obtido, introduzindo-o nos circuitos normais, como dinheiro ‘limpo’ e licitamente obtido”. O empresário nunca “lavou dinheiro”. O douto Tribunal deu como provado o que não aconteceu.
O Professor Catedrático Faria Costa sublinha que o branqueamento de capitais emerge de “uma forma particular e específica de receptação”. Carlos São Vicente nunca assim procedeu na sua actividade empresarial. Por isso, o Professor Catedrático Costa Andrade defende que “nunca poderá falar-se de branqueamento – se não for possível referenciar um ilícito criminal anterior e causal em relação às vantagens ou objectos do Branqueamento”.
Em conclusão: “Clarificados os tópicos nucleares da factualidade típica do crime de Branqueamento, tal como a lei positiva angolana o prevê e desenha, sobra manifesto que não é possível referenciar nos factos provados e imputados ao réu Carlos Vicente, factos que, de perto ou de longe, cumpram integralmente as exigências ou pressupostos daquela incriminação (artigo 82º da Lei nº 5/20, de 27 de Janeiro)(...) Logo pela razão, simples mas decisiva, de não ser possível imputar a Carlos Vicente a prática de qualquer ilícito típico incriminado e punível quer a título de Peculato quer de Fraude Fiscal. O que só por si, constitui razão bastante para, de forma definitiva e fechada, afastar a responsabilidade pelo crime de Branqueamento de capitais”.
Por fim, o Professor Catedrático Costa Andrade conclui: “Os dados como provados e imputados ao réu Carlos Manuel de São Vicente, não permitem a sua condenação, a nenhum título, pelos crimes de Peculato, Fraude Fiscal e Branqueamento de capitais”.
A condenação na primeira instância só foi possível “à custa de frontal e irremível pecado capital contra o princípio de Legalidade (nullum crimen sine lege), uma das marcas irrenunciáveis do Estado de Direito Democrático”.
A opinião pública nacional e internacional precisa de saber que a sentença do douto Tribunal não pode ser peça de um qualquer banquete de mentiras e manipulações, montado por agentes a soldo, no canal público da televisão angolana.
Esta é a verdade a que todos temos direito. A verdade deles é ficção e má. É calúnia. É atingir a memória de Agostinho Neto através de pessoas que lhe são próximas. Até existir uma sentença transitada em julgado, Carlos São Vicente é tão inocente como as mais altas figuras do Estado Angolano. Que não podem seja a que título for, criar culpados ou fazer de assassinos vítimas ou heróis nacionais. A separação de poderes é um princípio basilar do Estado de Direito e Democrático.
*Jornalista
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