terça-feira, 21 de junho de 2022

Angola | Carta Fechada a um Militante Desvairado – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Francisco Viana faz-me lembrar o meu avilo Fubu, de Malanje. Conheci-o em 1975 e disparava a sua “AKM” até de costas. Quando nasceu já manejava a arma com mestria. Nunca andou na escola mas também nasceu com a quarta classe, era um intelectual do gatilho. Este empresário de sucesso escreveu uma carta aberta ao presidente do MPLA e assina como revolucionário. Aqui temos uma maka. Porque se é verdade que revolucionário rima com empresário, na economia de mercado, empresário vive do lucro, alimenta-se do sangue, do suor e das lágrimas dos trabalhadores que são explorados, em nome do sucesso do sistema.

O empresário de sucesso, na sua carta, faz afirmações que não são correctas. Outras nem sequer são mentiras, apenas delírios de quem usa e abusa dos paraísos artificiais. Antes que comece a disparar as flechas envenenadas, vou dar uma informação que me parece necessária. Eu sou militante do MPLA, adormecido. A ressonar. Quando entrei na organização, aprendi que os assuntos são tratados dentro do movimento. Jamais na praça pública. O individual submete-se ao colectivo. Portanto, eu nunca escreveria uma carta aberta ao líder do MPLA, mesmo estando em estado catatónico. Mas Francisco Viana é mesmo especial.

Aderiu ao MPLA em finais dos anos 60, na cidade de Argel, tinha apenas oito anos. Uma espécie de Fubu da militância. Meu ex-camarada Francisco Viana, o comandante Hoji ya Henda faleceu no dia 14 de Abril de 1968, em Caripande, Moxico, Leste de Angola. Não foi em Argel. Mas temos uma coisa em comum. José de Carvalho, antes de ser Hoji ya Henda, era um ginasta espantoso. O Dr. Daniel Leite, nosso professor de ginástica, adorava-o. Um dia fui ver os exercícios dos mais velhos no plinto. Fiquei tão entusiasmado que também tentei saltar. Estendi-me ao comprido. José de Carvalho ajudou a levantar-me e pacientemente ensinou-me as técnicas de saltar. Pouco tempo depois juntou-se à guerrilha do MPLA. Francisco, somos almas gémeas!

Francisco Viana, com 16 anos, acabou o curso de comandos das FA PLA. O bêbado da valeta, ainda menor também já era jornalista. Temos em Angola fenómenos assim. Muito precoces, muito prendados, muito anormais.

O empresário de sucesso que agora se desvinculou do MPLA diz que seu Pai, Gentil Viana (Afrique), esteve preso “nas masmorras do MPA”.  Senhor Francisco não quer mudar esta parte? Pela fé de quem sou lhe digo que nunca vi masmorras nas instalações do MPLA, em todo o país. A UNITA esquinada é que tinha masmorras no acampamento militar da Jamba, criado pelos racistas da África do Sul. Em 1975, os nossos militantes capturavam vários elementos dos esquadrões da morte, em combate. Eram levados para o Comando Operacional de Luanda, uma vivenda na Vila Alice. Nada de masmorras.

Caro ex-camarada Francisco Viana. Na sua carta aberta (que devia ser frechada e entregue no seu comité) diz que Gentil Viana, seu Pai, foi torturado e por via das torturas ficou cego. Vou dar-lhe um a informação. Quando contactei o senhor seu Pai, em Lisboa, para me inteirar das suas necessidades financeiras mensais, ele disse-me que sofria de glaucoma ainda nos tempos da República Popular da China. E a doença tinha-se agravado nos últimos anos. O glaucoma é uma doença ocular que leva a uma perda progressiva do campo visual e da visão. 

O meu camarada Arménio Ferreira, médico cardiologista e líder do Órgão Coordenador do MPLA para a Europa arranjou-lhe um dos melhores oftalmologistas de Lisboa. Que o assistiu sempre, sempre, sem descanso. Ordens do chefe Arménio eram para cumprir. Quando abriu a Embaixada de Angola em Lisboa, a estrutura do MPLA foi dissolvida e todos os compromissos assumidos passaram a depender do Embaixador Adriano Sebastião. Que tomou a peito o pedido de Agostinho Neto, para apoiar o camarada Afrique (Gentil Viana). É preciso mentir, ex-camarada? Não use a arma da UNITA, fica-lhe mal. Ainda agora saiu do nosso “EME” e já está a cantar à galo. Aka!

Francisco Viana diz que a Revolta Activa exigia “mais transparência na gestão dos meios do MPLA”. Senhor Francisco Viana, não bebe mais hoje! Não sei por onde andava quando em 1974 foi tornado público o manifesto dessa facção do MPLA, liderada pelo senhor seu Pai. Mas digo-lhe que nessa altura o MPLA tinha menos meios do que eu, que vivia do meu salário de repórter e bebia-o quase todo logo na primeira semana depois do pagamento. 

Um dia, Manuel Pedro Pacavira foi a Brazzaville pedir fundos para a nossa luta em Luanda, agora à luz do dia porque tinha acontecido a Revolução em Portugal. Quando ele voltou a Luanda trazia um saco de pano com 980 escudos em moedas. Os nossos camaradas do “bureau” cotizaram-se. Nos cofres, nem poeira!

Senhor empresário de sucesso, o MPLA nessa atura só geria os seus militantes. Em Luanda, devo dizer-lhe que todos pagávamos ao movimento e não era pouco. Eu fiz muita cobrança. Também fizemos recuperações de fundos lá onde eles existiam em quantidade. Entregávamos tudo ao camarada Rita que tinha unhas-de-fome. Vocês queriam gerir as moedinhas? A comida que só dava para uma refeição diária? As armas sem munições? As poucas viaturas paradas, porque não havia dinheiro para o combustível? Tenha pena de nós. Alguns arriscaram a vida na recuperação de fundos. Um pouco mais de respeito, por favor.

Francisco Viana exige que o Presidente João Lourenço peça perdão e desculpa às e aos membros da Revolta Activa como pediu aos assassinos do 27 de Maio de 1977. Meu ex-camarada borrou a pintura toda. Não ponha essas e esses camaradas ao nível de vadios, oportunistas e assassinos.

O empresário de sucesso também queria que o MPLA participasse no seu negócio chamado Congresso da Nação. Ainda bem que não participou. Se o fizesse, o ambiente político em Angola ficava nivelado pelo banditismo e o oportunismo. Alternância Democrática não é sermos todos bandidos, oportunistas e chulos. 

*Jornalista

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