Artur Queiroz*, Luanda
Alguns meses antes das eleições de 1992 participei numa reunião, na Orion, com os peritos contratados pelo MPLA para a campanha. O chefe da empresa contratada fez um discurso onde explicou minuciosamente quais as possibilidades do partido ganhar. Eram poucas. Porque, dizia, a sua imagem estava muito suja. Nos anos todos de independência, o governo “do partido único” nem foi capaz de levar água e luz às casas dos angolanos! O seu conselho foi separar a campanha do Presidente José Eduardo dos Santos, para se salvar alguma coisa. Alguém levantou dúvidas e o grande mago de eleições disse num tom quase secreto: E ainda temos o problema do 27 de Maio…
Rui de Carvalho convidou-me a
dizer umas palavrinhas. E eu disse que 99 por cento das famílias luandenses
(negras) nunca tiveram água e luz
Quanto ao 27 de Maio de 1977 disse aos presentes que mais de 99 por cento das angolanas e dos angolanos estavam gratos ao MPLA e aos seus dirigentes, por terem impedido que o país caísse mas mãos de uma quadrilha de assassinos, irresponsáveis, oportunistas, racistas e ambiciosos. Como o Bureau Político tinha emitido um comunicado explicando o que foi o golpe de estado, a única acção avisada e correcta era entregar uma capa com exemplares desse comunicado a cada dirigente, cada candidata e candidato. Se alguém quisesse esclarecimentos, entregavam uma cópia. E nada mais do que isto.
As coisas correram mais ou menos assim. De facto, o partido dos golpistas de 27 de Maio reforçados com restos da Revolta Activa teve uma votação residual e elegeu apenas um deputado. Nas eleições seguintes (2008), o partido dos golpistas teve 0,22 por cento e foi extinto por falta de votos. Também foram extintos por não chegarem aos 0,50 por cento dos votos a AD (0,29 por cento), o PADEPA (0,27 por cento), a FOFAC (0,17 por cento), o PAJOCA (0,24 por cento), o PLD (0,33 por cento) o PPE (0,19 por cento).A Frente para a Democracia (FpD) que congregava restos da Revolta Activa e tinha como estrelas Justino Pinto de Andrade e Filomeno Vieira Lopes, teve 0,27 por cento e acabou.
Os seus mentores mudaram-lhe o nome para Bloco Democrático. Sedento de poder, Justino Pinto de Andrade integrou as listas da UNITA de segunda escolha (CASA-CE) e cumpriu o sonho dourado de toda a vida, ao ser eleito deputado. Nas eleições de 24 de Agosto, Filomeno Vieira Lopes, o maoista dos maoistas, vai candidatar-se na lista da UNITA. Ai de ti, Filomeno, se a UNITA ganhasse as eleições. Os kwachas comiam-te vivo e nem os ossinhos te restavam para o coveiro Francisco Queiroz enterrar.
Os parentes de José Van-Dúnem e Sita Vales não querem ossadas nem espectáculos de mau gosto. Querem dinheiro. Se possível, muito. Puseram a circular essa de que os assassinos golpistas eram a nata e o luxo de Angola. Os maiores. Tenho uma má notícia para todos. A grande revolucionária portuguesa que fugiu para Angola quando as sedes do Partido Comunista começaram a ser incendiadas pelos fascistas, Sita Vales, nunca foi das minhas relações. Não a conhecia. José Van-Dúnem era um miúdo, conheci-o quando saiu do Bentiaba, apresentado por Gilberto Saraiva de Carvalho. Nunca fomos próximos. Todas e todos os outros eram pessoas que conheci bem. Alguns e algumas, muito bem mesmo. Fomos colegas no Liceu Salvador Correia. E estreitamos laços nas reuniões partidárias.
Só um golpista tinha profissão e formação superior (médico). Os restantes profissionalmente valiam zero. O Juca Valentim ainda arranjou um emprego por turnos, para trabalhar e estudar. Era uma espécie de biscato. Nada mais. As elites de uma nação não eram profissionais de nada, apenas da política. Viviam pendurados no MPLA, à custa dos militantes que se desunhavam para meterem dinheiro nos cofres do partido.
Nós fomos buscar à Universidade jovens que estivessem interessados em iniciar uma carreira no jornalismo. Sabem o que aconteceu? Os assassinos golpistas escorraçaram-nos de Angola porque eram dos Comités Amílcar Cabral (CAC). Algumas e alguns já tinham profissão. Graça D’Orey era assistente social. Jornalista de mão cheia. Catarina Gago da Silva. Grande jornalista. Vítor Mendanha, grande craque do jornalismo. Pena Pires, Quinta da Cunha, Paulo Pinha, João Melo ou Anapaz. Todos profissionais. Nenhum era golpista. Pelo contrário, quase todos foram molestados pelos golpistas.
O MPLA, em 1974, estava encurralado e precisávamos de armas. Só o Marechal Tito respondeu. Mas os portos e aeroportos ainda estavam sob a responsabilidade dos portugueses. Esse material bélico chegou a Angola e aos nossos combatentes. Mérito dos nossos “almirantes”, Aristófanes Couto Cabral e Correia Mendes. Já eram profissionais e viviam bem. Deixaram tudo para ajudar o MPLA a triunfar. Mas tinham as suas vidas e profissões. Não eram parasitas do MPLA, como quase todos os golpistas.
Querem mais? Nelson Gaspar. Foi oficial do Exército Português. Quando regressou â vida civil tornou-se empresário bem-sucedido. Não lhe faltava nada. Em 1974, voltou a pegar em armas integrando as FAPLA. Comandou a unidade Corvos ao Imbondeiro, jovens que eram a nata e o luxo da Nação. Tinham uma vida profissional. Deixaram tudo para combater pela Independência Nacional.
Quem fez tudo para unir o MPLA e lutou até à vitória final sim, foi a nata e o luxo de uma Nação. Os assassinos golpistas excluíram-se. Não quiseram ser cidadãos dignos e à altura da luta do MPLA pela Independência, a Soberania Nacional e a Integridade Territorial. Ninguém faça de funcionários e parasitas do partido, elites do Povo Angolano.
O aracnídeo Agualusa era um
garoto em 1974. Um rapazola em 1977 (menos de 17 anos). Nas leiam o que ele
escreveu sobre o 27 de Maio: “Foi uma tentativa de golpe de Estado contra o
então presidente Agostinho Neto. Este respondeu de forma brutal, ordenando a
prisão e o fuzilamento de um largo número de presumíveis desafetos políticos no
seio do seu próprio partido, o Movimento Popular para a Libertação de Angola,
MPLA. Acredita-se que durante essa vaga de cruel e violentíssima repressão
terão morrido entre
*Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário