Joana Petiz | Diário de Notícias | opinião
Urgências pediátricas só entre as 8.00 e as 20.00 no Garcia de Orta, Maternidade Alfredo da Costa fechada por falta de pessoal, pedido de demissão dos chefes de equipa do serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Amadora-Sintra. As notícias que hoje causam incredulidade e revolta no país não são de todo novidade. Estas que aqui recupero são de 2018 e 2019...
Nesse tempo, ainda a covid não provocara os danos e atrasos que todos conhecemos à Saúde. Ainda as equipas de médicos, enfermeiros e auxiliares não haviam merecido aplausos por serem heróis, para a seguir levarem rebites de uma ministra que descartava o seu estado de esgotamento afirmando que tinham de ser "resilientes" e "enfrentar a pressão". Ainda BE e PCP eram pilares de suporte de um governo orgulhosamente de esquerda, com Marta Temido a admitir que a melhor forma de fixar os médicos em fuga de um SNS em colapso era obrigá-los a ficar, fossem quais fossem as condições.
"Vamos equacionar a celebração de pactos de permanência, após a conclusão da formação especializada", admitia há três anos a ministra que se orgulha de ser carrasco das parcerias público-privadas na Saúde, em nome de um serviço que para ela apenas se faz de Estado, desprezando abertamente a complementaridade do privado e do setor social - mesmo quando a eles teve de recorrer, em plena pandemia ou sempre que falta a assistência pública.
Encerrada nas suas palas ideológicas, Temido foi sacudindo dos ombros a responsabilidade pelas sucessivas demissões de chefias e equipas hospitalares por todo o país. Pela mão do primeiro-ministro, seguiu feliz no caminho de destruição do SNS, encerrou PPP e anunciou investimentos e contratações, concursos e planos de contingência que nunca chegaram, admitindo, então como agora, que há "problemas recorrentes", mas recusando teimosamente a evidência de que os serviços que hoje engordam a lista de hospitais em apuros - Braga, Vila Franca de Xira, Loures - são os que, enquanto PPP, faziam o pódio dos melhores do país, elogiados pelas comunidades que serviam, apreciados pelos profissionais que lá exerciam, distinguidos nos rankings públicos decorrentes de análises independentes.
O problema "é grave", repetem agora ministra e primeiro-ministro, antecipando os problemas de uma população envelhecida e empobrecida, com cada vez menos acesso a uma Saúde deficiente e esgotada. Já o era quando Costa e Temido implodiram aquilo que funcionava... Quando o gasto com médicos a prestar serviços, em pleno governo da geringonça, atingiu um recorde de 104,5 milhões de euros (2018), sendo bem maior o preço em perda de qualidade dos serviços.
Talvez agora exijamos soluções e escrutinemos a sua execução, em vez de continuarmos a deixar passar os problemas de ombros encolhidos, em vez de ignorarmos como "peculiaridades" verdadeiras alarvidades a que assistimos, como a ideia de que só promovendo o desemprego e o medo na classe se consegue fixar médicos no público, como convictamente defendeu há dias um autarca socialista. Nada que a própria Temido não tivesse já deixado no ar, quando afirmou, em plena comissão parlamentar (2020), que melhorar as condições dos profissionais de Saúde é um desejo, mas não uma prioridade. E quando fez aprovar em Conselho de Ministros a exclusividade ao SNS para uma fatia de profissionais sem nunca falar em contrapartidas.
Com maestros assim, não admira que a orquestra desafine..
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